Adoção do ensino remoto reflete no setor imobiliário que registra altas taxas de desocupação nos bairros próximos ao campus Florianópolis
Com as atividades presenciais suspensas na Universidade Federal de Santa Catarina, aproximadamente 37% dos estudantes deixaram a cidade universitária onde residem e retornaram aos municípios de origem. A informação é do último Diagnóstico Institucional, realizado pela Reitoria. Em Florianópolis, onde fica o principal campus da UFSC, é possível perceber o impacto no setor imobiliário. Ao redor da Universidade, multiplicam-se as placas de “aluga-se” nas janelas de apartamentos. Nos grupos de classificados nas redes sociais, sempre tão movimentados, sobram ofertas.
Respondido por 63,5% dos discentes, o levantamento feito em junho indica uma tendência entre os alunos. As respostas foram computadas um mês antes do ensino remoto emergencial ser aprovado pelo Conselho Universitário. Pedro Correa, que voltou a morar com os pais em Poços de Caldas (MG), é um dos estudantes que não entrou na conta da Reitoria.
“Por conta da distância, sabia que quando eu viesse [para Minas Gerais], não poderia voltar tão rápido. Então fiquei mais um tempo em Floripa, esperando algo mais certo”, diz o estudante de Jornalismo. Pedro tinha esperanças que a taxa de contágio diminuísse e, aos poucos, a normalidade fosse retomada, “mas depois teve aquele fim de semana que as praias lotaram e os casos de Covid começaram a aumentar”.
Permanecer em Santa Catarina tornou-se inviável. “Além do aluguel, o supermercado estava pesando muito no bolso”, pontua Pedro, que — com o Restaurante Universitário fechado pela pandemia — viu o valor da compra mensal dobrar. Em julho, ele foi o último de quatro estudantes a encerrar o contrato no pensionato onde morava no Pantanal. Junto com a Trindade, Carvoeira, Itacorubi e Córrego Grande, o bairro compõem a região universitária na capital catarinense.
Assim como 61,5% dos discentes que responderam o levantamento da UFSC, a família Correa também teve sua renda afetada durante a pandemia. Sem que os pais pudessem fazer horas extras, os ganhos da família caíram para pouco menos de um salário mínimo per capita. Mais uma razão para que Pedro percorresse os mil quilômetros de volta a sua cidade-natal, no sul de Minas Gerais. A viagem que costuma fazer de ônibus dessa vez foi de avião para garantir menor tempo de exposição ao vírus. “Parcelei a perder de vista”, brinca o mineiro.
O impacto no setor imobiliário
A Brognoli Negócios Imobiliários registrou em julho um recorde no número de imóveis desocupados na região da Trindade, com taxa de locação 60% menor que em julho de 2019. Em agosto, a taxa geral de desocupação em Florianópolis foi 41% maior do que o ano passado. Na Trindade, este índice sobe para 90%. “Pela questão dos estudantes, é a região que mais sofre”, diz o diretor de Locações, Ruy Guerra. Para os imóveis que permanecem alugados, foram feitas mais de 2.300 renegociações ao todo.
Na Ibagy Imóveis, localizada na principal rua da Trindade, estudantes e funcionários públicos compõem parte importante dos locatários. “As locações em si estão acontecendo. A gente não deixou de alugar, mas com a quantidade de desocupação, nós temos um prejuízo”, diz a consultora de locação, Ana Paula Gonçalves. Na Ibagy da Trindade, 20% dos imóveis foram desocupados e permanecem assim. “Todo novo semestre representa cerca de 50, 70 novas locações, além do que a gente aluga normalmente”, diz Ana Paula. A maioria das negociações de contrato foram feitas até dezembro, e aguardam novidades ligadas à comunidade universitária.
A taxa de desocupação também bateu recorde na Duda Imóveis. A imobiliária registrou um aumento de 300% nos meses de julho e agosto em relação ao mesmo período de 2019. Cerca de um terço dos imóveis alugados através da empresa estão localizados nos bairros próximos à UFSC. A gerente da unidade na Trindade, Viviane Mondardo, conta que os pedidos de renegociação de contratos também levaram à criação da área “Negocie aqui” no site, com o objetivo de otimizar a demanda. Os principais motivos apontados pelos locadores nas solicitações foram as restrições impostas a diversas atividades comerciais e a incerteza quanto ao retorno das atividades presenciais na universidade.
O impacto também pode ser observado entre os alugueis informais. A proprietária de apartamentos e kitnets Mariana de Souza conta que a atual taxa de ocupação dos seus imóveis é de 45%. Em anos anteriores, ela afirma que todos estariam locados nessa época. Mariana possui imóveis nos bairros Pantanal, Carvoeira, Serrinha e Trindade, além do Campeche e Estreito. “Fizemos, sim, algumas poucas locações para outros públicos, mas nenhum estudante”, diz.
Pandemia evidenciou a importância econômica da UFSC
As dezenas de agências imobiliárias nos bairros próximos à UFSC são parte de uma cadeia produtiva formada por diversos segmentos comerciais e de prestação de serviços. A relevância da universidade para o funcionamento dessa cadeia já havia sido estudada em 2019 pelo Núcleo de Estudos de Economia Catarinense (Necat/UFSC).
Para entender a dimensão do impacto que a ausência da comunidade universitária no campus representa, o coordenador do Necat, professor Lauro Mattei, destaca um dos pontos levantados no estudo de 2019: o tamanho desse conjunto de pessoas. De acordo com a pesquisa, apenas 30 municípios dos 295 catarinenses possuem uma população superior ao número de estudantes no campus Florianópolis.
A interrupção da circulação diária no campus afeta quem está relacionado diretamente às atividades da UFSC, como fornecedores de materiais e serviços, e também indiretamente a essa rede circunscrita que abrange escritórios, restaurantes, imobiliárias, consultórios médicos, academias, entre outros.
“A pandemia revelou o papel importante da universidade para além da formação dos seus estudantes e da questão do ensino, pesquisa e extensão. Ela tem uma função social e econômica onde se localiza. Talvez as pessoas não tenham a dimensão da importância da UFSC para além de quem lá trabalha e dos alunos que frequentam um determinado curso, completam e depois vão embora”, destaca o pesquisador.
O estudo do Necat foi realizado em um contexto onde os bloqueios orçamentários impostos pelo governo federal ameaçavam o funcionamento das instituições federais de ensino. A atual suspensão das atividades presenciais reforça a importância econômica e social da UFSC em um momento onde a previsão de orçamento para 2021 volta a ameaçar o funcionamento pleno da universidade.
Entretanto, Lauro pondera que os impactos da suspensão não podem ser atribuídos à comunidade acadêmica. “A ausência no campus de professores, técnicos e alunos, em primeiro lugar, não quer dizer que a UFSC está parada. Em segundo lugar, não quer dizer que a universidade é a responsável por essa situação. O responsável por tudo isso é uma epidemia que precisa ser controlada e a única forma que nós temos sem uma vacina é através do isolamento social”, afirma o professor.
Ilana Cardial e Vinicius Claudio