Por Waldir José Rampinelli
O mundo acorda de um pesadelo e não fecha mais as pálpebras. A morte passa a vigiar a todos; alguns à distância, outros bem mais de perto; outros ainda, no abraço final. Um fio de voz triste aqui, um gemido de cordas acolá, uma lágrima caindo mais adiante. Enfim, gente morrendo aos pedaços, vidas comidas pelas dores nas filas das UPAS e dos hospitais e a peste arrastando tantos pelas estradas. Quem pode, invoca os seus deuses, tropeçando os olhos nas estrelas, que são tantas lá, quantas as covas aqui. É triste ser pobre! Morrer virou um fato social, enquanto o presidente protofascista simplesmente grita: “E daí? Sou Messias, mas não faço milagre”.
Um mundo desarrumado, desajeitado, alquebrado vai produzindo veneno para a humanidade. O ar foi estragado pelas chaminés que sujam o horizonte das cidades; a água, contaminada pela química dos laboratórios; a terra, corroída pelos agrotóxicos; e os baixos salários povoando a vida dos trabalhadores, indo das startups às limpezas de ruas. A vida dos animais também sofre todas estas mutações e, gera novos seres. Um deles, em algum momento da história, poderá pôr fim a tudo na Terra. Terá, terrivelmente, por nome: Vírus Terminal.
O filósofo Zizek espera que o mundo não viva mais como dantes, acreditando em uma mudança radical. Diz que talvez um outro vírus esteja se propagando, – o de caráter ideológico – muito mais benéfico para a humanidade do que o sanitário, pois leva as pessoas a pensarem “em uma sociedade além do Estado-nação, em sociedade alternativa que se atualiza nas formas de solidariedade e cooperação global”.
O linguista Chomsky, por sua vez, faz duras críticas ao psicopata megalômano que se instalou na Casa Branca e está preocupado apenas em manter o poder e vencer as eleições, pouco se importando com a pandemia. Chegou a desmantelar um sistema de saúde que tinha entre suas prioridades detectar qualquer vírus que se esparramasse pela sociedade. Já há empresas, continua Chomsky, desenvolvendo tecnologia para que os empregadores possam controlar seus empregados praticamente em tudo: o que ele vê na tela, o que ele aperta no teclado, o que ele faz sentado na cadeira. Uma verdadeira invasão potencial.
O politólogo Borón, de maneira quase entusiástica, diz que o sistema capitalista está encurralado e pode soltar os últimos suspiros, se não no seu todo, pelo menos na sua forma mais cruel, a neoliberal. Há ainda alguns, infantilmente, que veem o socialismo no horizonte da humanidade cavalgando Pegasus.
Bom, cada circunstância histórica tem lá suas características próprias, mas as duas grandes guerras que ensoparam o solo europeu de sangue, não evitaram futuros conflitos, como o da Coreia e o do Vietnã; o nazi-fascismo, que foi uma revolta dentro da ordem para salvar o capitalismo acuado pela Revolução Russa, não desencorajou que outros Estados totalitários se levantassem, em outras partes do mundo; as bombas atômicas que fizeram o Japão tremer, tendo por objetivo mostrar a Moscou a nova guerra que viria, a Fria, não impossibilitou que o mundo avançasse na corrida armamentista. Portanto, infelizmente, não será esta pandemia que sacudirá o capitalismo nas suas estruturas. Só vejo um caminho para que o câmbio radical aconteça: A Revolução Nacional, que precisa se tornar Internacional. As revoluções são a locomotiva da história, já dizia o velho Marx.
O capitalismo não tem limites na sua sanha por taxas de exploração e aumento de vantagens, podendo chegar à destruição do planeta e, consequentemente, do ser humano. Os novos meios de produção, no pós- pandemia, vão acelerar o nível de acumulação. O home-office, já utilizado no século XVII, é uma modalidade que veio para ficar. O trabalhador transforma a sua casa em um escritório, utilizando-se de sua própria infraestrutura, como internet, luz, água, família. Também controlará seus horários e sua disciplina, aumentando o stress e as jornadas, abrindo suas intimidades e suas particularidades. Tudo isso terá como consequência o aumento da produtividade e a perda da tranquilidade. Superexploração digital. Ufa!, era o que tu dizias quando entrava em casa, deixando atrás todos as encrencas do trabalho. Agora, todas os problemas estarão dentro de ti, dos teus e da tua residência. Até na tua cama, fazendo-te perder a vontade de amar.
O capitalismo do pós-pandemia, diz Marcos Roitman, acelera o mundo cotidiano. A assinatura digital, as vídeo conferencias, as lives, o controle biométrico, as aulas à distância serão algumas das mudanças que terminarão provocando uma modificação antropobiológica do ser humano. O dinheiro em espécie será, muito brevemente substituído, – já o está sendo –, por cartões de crédito, dando-se não só um maior controle social e um forte ascenso de poder aos bancos, como também uma maior exclusão na sociedade.
Enfim, desenha-se no horizonte pós-pandêmico a marcha dos escravos modernos; todos cobertos pela mesma miséria. A tempestade da superexploração começa a fuzilar relâmpagos. Para quebrar todos estes medos, é preciso levantar o facho da Revolução Brasileira. Não há outro caminho.
Waldir José Rampinelli é professor do Departamento de História da UFSC
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