Estudo avalia retomada de aulas presenciais em 20 países; diálogo transparente com as famílias também é essencial
Países que tiveram sucesso na reabertura das escolas fizeram a retomada de atividades presenciais de maneira voluntária, com protocolos sanitários conhecidos e, muitas vezes, voltaram junto ou até antes do comércio. A comunicação transparente com os pais também foi crucial, mostra estudo sobre os processos em 20 nações de todos os continentes. Mesmo onde havia forte oposição à volta, com o tempo, as famílias passaram a confiar nas medidas e enviaram seus filhos às escolas.
A análise foi realizada pela consultoria Vozes da Educação a pedido de entidades do terceiro setor que fazem parte de uma coalizão para ações durante a pandemia – entre elas, Fundação Lemann, Itau Social, Instituto Unibanco e Instituto Natura. Os resultados, obtidos com exclusividade pelo Estadão, foram apresentados para as instituições nesta semana.
Confira o infográfico do Estadão.
Foram considerados países com resultado satisfatório aqueles onde “as escolas reabriram e não registraram contaminação entre alunos e professores que saísse do controle”. Segundo a pesquisa, na maioria deles, a volta se deu quando os casos do novo coronavírus estavam em declínio, com exceção de Portugal e China, onde a curva da infecção ainda era estável.
O levantamento também indica que medidas mais sofisticadas, como testagem em massa e medição de temperatura, não necessariamente foram realizadas nesses países com reabertura elogiada. Os sistemas educacionais se organizaram para que houvesse lavagem frequente das mãos, grupos menores de alunos sem contato com o restante (esquema de bolhas) e uso de máscaras.
“São relativamente simples, não é algo como reformar todas as escolas, por um robô na porta ou divisórias de acrílico. São dados que jogam a favor da gente considerar com mais seriedade a volta às aulas aqui”, afirma o diretor executivo da Fundação Lemann, Denis Mizne.
Na Dinamarca, as escolas voltaram em abril, depois de um mês fechadas, antes de restaurantes, lojas e parques. Pais chegaram a fazer movimentos que diziam “meu filho não é cobaia”, mas, em maio, 90% das crianças já estavam em aulas e não houve aumento de contágio. O governo negociou com sindicatos e garantiu que professores no grupo no risco não voltariam, o que se efetivou.
As aulas na França retornaram em maio de maneira voluntária, junto com o comércio. Houve também forte oposição dos pais. Por causa da contaminação, sete escolas tiveram de fechar na primeira semana, mas depois disso, não foram registrados picos de contágio mesmo com retorno obrigatório em junho.
Um dos achados da pesquisa é de que a opinião pública só foi determinante para a reabertura ou não das escolas em um país, a Bolívia, que decidiu só voltar ano que vem. No Brasil, pesquisas indicam que a maioria da população é contra o retorno. Especialistas acreditam que, em ano eleitoral, isso tem influenciado prefeitos a decidir pela continuidade do ensino remoto.
Na capital, o prefeito Bruno Covas (PSDB) não autorizou a volta de atividades presenciais em 8 de setembro, como previa o governo estadual. E várias cidades da Grande São Paulo determinaram o retorno só em 2021. No caso da Prefeitura de São Paulo, um inquérito sorológico com crianças e adolescentes, em agosto, apontou 64% de infecções assintomáticas nesse grupo. A dificuldade de rastrear infectados nessa faixa etária e a incerteza científica sobre a capacidade de transmissão por parte de doentes mais novos têm sido citadas como justificativas para adiar a reabertura.
Segundo Mizne, no entanto, a abertura não pode ser imposta aos pais e a comunicação tem sido falha, algo que não ocorreu em países que tiveram uma volta de sucesso. Na Nova Zelândia, foram criadas fases para o retorno às aulas que valiam para todo país, com os níveis de alerta que fizeram a população entender o risco de contaminação e as consequentes restrições.
“As pessoas no Brasil não estão inseguras à toa, a ausência da comunicação e certa irresponsabilidade e negacionismo prejudicam o debate da volta às aulas. Fora a falta total de coordenação nacional” completa o superintendente do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques. Segundo ele, a comunicação do que será feito tem de ser muito transparente para que a população possa cobrar e confiar depois. “A gente tem pouca cultura de comunicar procedimento e se dispor a ser monitorado.”
Leia na íntegra: Estadão