Presidente da frente parlamentar da reforma administrativa defende que projeto valha para todos os Poderes
Filho de servidores aposentados, o deputado federal Tiago Mitraud (Novo-MG), 34, comanda a frente parlamentar da reforma administrativa. Diz conhecer o funcionalismo, a burocracia e a ineficiência estatal.
O jovem deputado, ao lado de congressistas experientes como Kátia Abreu (PP-TO) e Antonio Anastasia (PSD-MG), assume a missão de convencer pares a tocar as mudanças.
“[Queremos] criar um ambiente de pressão positiva, mostrar ao Executivo e ao presidente [Jair Bolsonaro] que o Congresso quer essa reforma, que não precisa ter medo.”
Nesta terça-feira (1º), Bolsonaro disse que enviará nesta quinta (3) o texto da reforma ao Congresso.
À Folha Mitraud diz que já há trabalho, mesmo que o texto não venha a ser enviado. Uma reforma desse porte engloba PEC (proposta de emenda à Constituição) e outros instrumentos, como projetos de lei complementar e ordinária.
De acordo com o presidente da frente, progressão na carreira e avaliação de desempenho já podem e devem ser revistos. Nem mesmo a estabilidade escapa.
“Baixo desempenho deveria ser critério para o fim da estabilidade.”
Segundo o deputado, nenhum dos Poderes deve ficar de fora.
“Vamos falar com o [próximo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz] Fux para tentar criar um contexto no qual todos os Poderes vão fazer suas reformas”, diz.
Ele prevê resistência. “Hoje, no Brasil, ganha mais quem grita mais”, afirma.
Confira abaixo a entrevista à Folha:
Como está o diálogo com o governo para o envio da reforma administrativa?
Vínhamos em um diálogo muito bom com a equipe econômica.
As dificuldades estão basicamente no presidente Bolsonaro. Isso ficou escancarado com a saída de Paulo Uebel [ex-secretário de Desburocratização, responsável pela reforma] e com a dificuldade interna para fazer a reforma andar.
Em meados de junho ou julho, Bolsonaro falou que a administrativa ia ficar para 2021.
A saída de Uebel, por mais que tenha sido lamentável, acabou dando luz ao tema e houve uma sinalização política importante [de Bolsonaro e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ao citarem a reforma no dia seguinte].
Óbvio que não se consegue cravar em pedra que ela vai ser enviada porque sabemos da volatilidade do presidente.
A pandemia ajudou ou prejudicou o debate?
No início prejudicou o debate por ter requerido 100% da atenção de todo o Congresso e o governo. Ela [a reforma] estava ganhando tração em fevereiro, início de março.
O assunto estava em alta, e aí ficou em segundo plano, como eu acho que deveria ter ficado mesmo.
Mas, quando as pautas deixaram de ser exclusivas da pandemia, vimos que outras reformas ganharam mais tração, como a tributária.
A reforma administrativa é mais invisível para o cidadão no curto prazo. O foco principal, além da questão fiscal, é dar clareza de que vai melhorar a qualidade do serviço público.
Já há projetos em tramitação que podem ser trabalhados?
Há matérias com restrição técnica e outras com restrição política.
Em restrição técnica, na estrutura interna do Executivo, tudo o que não for questão constitucional tem de ser de iniciativa do Executivo.
Na Constituição, há o regime jurídico único, que é o vínculo estabelecido entre Estado e servidor. Se se quiser alterar esse regime, pode ser feito pelo Legislativo.
Mas aí há uma barreira política: a alteração da estrutura dos Poderes, principalmente do Executivo, sem o Executivo no barco, [pode gerar atritos] especialmente em um governo que pega qualquer justificativa para criar embate.
Está todo mundo batalhando para criar um ambiente favorável para o envio da PEC [pelo governo] e aguardando. [Queremos] mostrar ao Executivo e ao presidente que o Congresso quer essa reforma, que não precisa ter medo.
Há alguns textos já tramitando que não dependem do Executivo. Por exemplo, o que versa sobre teto remuneratório, que já foi aprovado no Senado. Está pronto para ser votado.
Tem um projeto na Câmara de modernização dos concursos públicos. Há outro para avaliação de desempenho que depende de uma regulamentação que nunca ocorreu. Hoje está no Senado.
Bolsonaro já falou que quer uma reforma o mais suave possível. Se chegar um texto enxuto, pretende-se ampliar ou manter o original para não criar atrito com o Executivo?
É difícil dizer sem saber o que vem. Temos a noção de que a reforma precisa ser profunda, não superficial.
O presidente já falou em mexer o mínimo possível nos atuais servidores. Entendo, porque há algumas questões de direito adquirido, outras que dariam para eventualmente ser discutidas.
Por exemplo?
Por exemplo a estabilidade. A tese majoritária é de que a estabilidade é adquirida no concurso e você não pode mexer para os atuais. Mas pode ser criada uma regra para novos servidores. Como avaliações de desempenho e critérios de encarreiramento.
Algumas carreiras hoje têm na prática progressão automática que pode e deve ser revista. Alguns servidores vão ter expetativa de a regra continuar, mas não existe expectativa de direito adquirido.
Não vai retroceder ninguém que já chegou a determinada posição, mas, daqui para frente, isso tem de ser discutido.
Quem vai avaliar a avaliação de desempenho?
Vemos que os países com os melhores serviços públicos têm uma estrutura dentro do Estado, que seria um órgão central de recursos humanos e que atua como agência independente. E ela define as regras e conduz o processo: tem uma avaliação de desempenho baseada em resultados, não de forma subjetiva.
Uma das coisas que queremos fazer é a transformação da atual Secretaria de Gestão de Pessoas [do Ministério da Economia] nessa agência independente que teria critérios de nomeação que a blindariam politicamente.
Hoje no Brasil ganha mais quem grita mais. Se existir a agência olhando as carreiras pela complexidade e pelo nível de formação necessária, haverá critérios, faixas salariais para cada uma delas.
Com critérios por desempenho, blinda-se a administração de pressões corporativistas.
O que pode ser feito com a estabilidade? Quando ela acabaria e quais seriam os critérios para demissão?
A estabilidade é um instrumento que existe no mundo inteiro. Não é um privilégio, existe uma razão de ser com fins de interesse público, precisa de uma certa tranquilidade contra interferências políticas.
Ela não pode ser a vaca sagrada, que não pode ser discutida. Ela não é nem vaca sagrada nem bala de prata. Muita gente fala que tem de acabar para resolver todos os problemas.
Não acho que deva existir para 100% dos servidores. Hoje as regras são automáticas para adquirir, o estágio probatório é quase protocolar. Na prática, adquire ao passar no concurso.
Tem de ter critérios. Cinco, seis anos apresentando bom desempenho para que mostre que tem vocação.
Precisa ter critérios para perda de estabilidade, podem ser temporais. Vai ser estável por cinco, dez anos, porque não temos clareza se a atividade vai ser necessária daqui a alguns anos.
Baixo desempenho deveria ser critério para o fim da estabilidade.
Outros Poderes também têm problemas, como os supersalários do MP, do Judiciário e de tribunais de contas. Eles não estão se omitindo nessa discussão?
A estruturação interna dos Poderes é de iniciativa exclusiva de cada um deles.
Mas há pontos que podem ser endereçados com mudanças na legislação e que estamos apoiando, como o fim dos supersalários para todos os Poderes. Já está na Constituição, e precisa ser regulamentado para acabar com os salários acima do teto.
Daria uma boa saneada especialmente no Judiciário, que concentra boa parte dos supersalários.
Tem outras questões que vão cair na mesma questão falada antes, da iniciativa exclusiva dos Poderes.
Tem, por exemplo, a Lei Orgânica da Magistratura, que é da década de 1970 e a gente não consegue rever sem nova proposta do Judiciário. E o Judiciário não envia com receio de ser modificado demais no Congresso.
Vamos falar com o [próximo presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz] Fux para tentar criar um contexto no qual todos os Poderes vão fazer suas reformas. Então alguns pontos podemos endereçar, outros precisaremos de diálogo.
Já é proibido ganhar acima do teto. Como regulamentar?
Hoje de fato já está proibido na Constituição, mas existe uma série de subterfúgios que foram criados, como verbas indenizatórias, que colocam um monte de coisa no bolo e permite furar o teto.
Então, o projeto de lei que foi aprovado no Senado e está em tramitação hoje na Câmara diz explicitamente o que pode e o que não pode furar o teto.
O problema são os chamados penduricalhos que foram criados, e nessa lei complementar que regulamentaria o teto se explicita o que pode e o que não pode ser considerado verba indenizatória.
Sempre que se fala em reforma administrativa fala-se que autoridades não mexem nos próprios salários. Isso deve ser discutido?
Acho que sim, e, opinião pessoal, a maior parte do custo não está no salário, está nos auxílios, nas verbas de gabinete. O custo do Legislativo é muito grande, comparado com outros países. Só o Congresso tem custo de R$ 12 bilhões por ano.
Está em discussão um piso salarial? Serão quantas carreiras?
Estamos trabalhando em ter três grupos [de carreiras], que são as atividades típicas de Estados, as atividades-meio e as atividades-fim.
O fim é o professor, o policial, o enfermeiro. O meio é o assistente, que cuida da folha de pagamento [por exemplo]. E há atividades típicas de Estado, como o diplomata, o juiz, o delegado. Quantas [carreiras] vão ter em cada um não sabemos.
No setor público, o risco é menor e deveria ter ganhos compatíveis com o setor privado.
Um salário de R$ 10 mil é muito ou é pouco? Depende. Para o serviço de baixa complexidade, é muito. Para o serviço de alta complexidade, é pouco.
Tiago Mitraud, 34
Deputado federal por Minas Gerais. Eleito pelo Novo, em 2018, com 71.901 votos, está em primeiro mandato. É formado em administração pela UFPR e concluiu o Programa de Desenvolvimento de Lideranças da Harvard Business School. Foi diretor-executivo da Fundação Estudar e presidiu a Brasil Júnior (Confederação Brasileira de Empresas Juniores). É associado ao movimento Livres, membro da Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade) e líder do RenovaBR.
Fonte: Folha