Em oito meses, cerca de 38 mil estudos científicos foram publicados sobre o Sars-CoV-2 e a Covid-19, além de 200 vacinas estarem em desenvolvimento
Na pandemia do novo coronavírus, práticas consolidadas da medicina se encontraram com a vanguarda da ciência. O encontro de conhecimento, inovação e esforço coletivo de profissionais de saúde e cientistas salvou milhões de vidas. No meio da tragédia, mesmo em países contaminados pelo negacionismo científico e tendo à frente uma nova doença, letal e extremamente contagiosa, esse encontro produziu, em tempo recorde, formas de curar a maioria dos doentes. E acena com a proteção de uma vacina.
Nunca na História se aprendeu e se produziu tanto em tão pouco tempo, destaca o presidente da Academia Brasileira de Ciências, Luiz Davidovich. Ele frisa que a ciência brasileira desempenhou papel fundamental.
Comedimento é parte da cultura científica, mas Jerson Lima Silva, professor titular do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro e presidente da Faperj, afirma que o momento é superlativo:
“Em oito meses, a ciência fez uma revolução. Em janeiro, nada sabíamos sobre o Sars-CoV-2. E agora temos mais de 200 vacinas em desenvolvimento e veremos algumas prontas, em meses, para imunizar a população. Há vacinas de diferentes formas, estratégias inovadoras, tudo em tempo recorde. A ciência respondeu à urgência da sociedade e demonstrou como nunca ser essencial à Humanidade”, enfatiza.
Anticorpos sintéticos
Até sexta-feira, 38.410 estudos científicos haviam sido publicados sobre o Sars-CoV-2 e a Covid-19. Ainda que nem todos tenham qualidade ou sejam confirmados por novas pesquisas, o conhecimento produzido já permitiu, por exemplo, entender como o vírus invade e se multiplica no corpo humano. O prazo de desenvolvimento de vacinas foi esmagado. De dez anos, em média, está projetado para cerca de um ano.
Mais do que prazos, pesquisadores trouxeram inovação. Algumas das vacinas em fase mais avançada, como a da Universidade de Oxford/AstraZeneca, em teste no Brasil, e a da Moderna, empregam tecnologias inéditas. “A ciência reagiu à urgência com uma velocidade fantástica. Temos muitos desafios, mas não falta capacidade”, diz Rogério Rufino, professor de Pneumologia e Tisiologia da Uerj e diretor da Policlínica Piquet Carneiro.
O próprio coronavírus teve o genoma sequenciado em poucos dias por chineses, e esse trabalho foi a base para identificar linhagens e, com elas, rastrear o espalhamento da pandemia, trabalho realizado com destaque no Brasil. Permitiu também desenvolver teste de diagnóstico molecular (RT-PCR) em semanas e exames de anticorpos. Ainda que estes últimos ainda não tenham a precisão ideal, representam um avanço.
Mesmo com orçamentos reduzidos, pesquisadores brasileiros, como equipes da UFRJ e da Fiocruz, produziram kits de diagnóstico quase que simultaneamente à chegada do coronavírus no Brasil. Cientistas do Rio de Janeiro desenvolveram um soro hiperimune com anticorpos, em fase avançada de estudo, e testaram plasma de convalescentes.
Uma equipe da USP encontrou uma forma de fazer autópsias minimamente invasivas. Anticorpos monoclonais sintéticos estão em teste no mundo para tratar pacientes. Uma das pioneiras no estudo da Covid-19 no Brasil e no mundo, a médica Patrícia Rocco salienta que em oito meses foi possível desvendar mecanismos importantes da ação do coronavírus. E a Covid-19 se revelou muito mais complexa do que uma mera pneumonia que se acreditava no início.
Além da vacina, cientistas buscam uma droga contra os primeiros sintomas que não deixe a infecção progredir. Enquanto um imunizante não vem, uma droga assim pouparia vidas. Há centenas de estudos em curso, observa Mauro Teixeira, professor titular do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), cujo grupo estuda a ação de substâncias contra a Covid-19.
O grande nó não é mais o tratamento, mas o acesso à saúde de qualidade.
Leia na íntegra: O Globo