Custos, riscos à saúde dos cientistas e temor de levar vírus à fauna local motivaram decisão, tomada também por outros países
A pandemia de Covid-19 provocou o cancelamento de todas as pesquisas de campo previstas para o próximo verão na Antártida, o único continente ainda livre do coronavírus.
A decisão foi tomada em acordo entre a Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (Secirm/Marinha do Brasil) e os coordenadores dos 20 projetos do Proantar (Programa Antártico Brasileiro).
Atualmente, apenas o pessoal de apoio da Marinha permanece na base científica brasileira inaugurada em janeiro último. Está sendo estudada uma operação logística para a troca do grupo e o abastecimento da estação.
Os pesquisadores antárticos chegariam a partir de outubro, quando começaria a missão 2020-2021. Além do temor de uma eventual introdução do vírus no continente, há risco para a saúde, pela falta de recursos médicos no local, em eventuais casos graves de Covid-19.
As rígidas normas de quarentena impostas pelo Chile na entrada e saída do país também tornariam inviáveis as viagens pelo custo e pela demora. O navio para a base científica brasileira parte de Punta Arenas, no extremo sul do país.
Além da quarentena de 14 dias na saída do Brasil, os pesquisadores teriam que iniciar uma outra quarentena de 14 dias em Punta Arenas. “Teria que ficar em um hotel que o Chile designar, sem poder sair do quarto nem para comer. E a gente tem que pagar tudo. Depois são outros 28 dias de quarentena na volta”, relata o biólogo e pesquisador Paulo Câmara, professor da UnB (Universidade de Brasília).
Segundo ele, há uma grande apreensão de que as missões científicas acabem levando o vírus para o continente e haja uma eventual transmissão para espécies da fauna antártica. “Tem um bolão de quem é que vai levar Covid para a Antártida. O Brasil não quer ganhar esse bolão”, brinca.
O glaciologista Jefferson Cardia Simões, vice-presidente do Scar (comitê internacional para pesquisas antárticas), afirma que a decisão de cancelamento está em consonância com a de outros países, como Austrália, EUA, Nova Zelândia e Reino Unido, que já suspenderam as expedições científicas.
De acordo com ele, não haverá um grande prejuízo para a pesquisa antártica brasileira porque já existem muitos dados coletados que podem ser trabalhados nos próximos meses. “Agora é produção intelectual, fazer análises químicas e laboratoriais de amostras coletadas até a próxima missão, no verão de 2021-2022.”
O microbiologista Luiz Rosa, professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), pensa o mesmo. “O grosso da pesquisa antártica é feito no Brasil. A gente trabalha em média três meses na Antártida coletando dados, e o resto acontece aqui, nas universidades.”
O grupo coordenado por Rosa reúne a maior coleção de fungos antárticos do mundo, muitos com potencial biotecnológico, como os produtores de penicilina.
Leia na íntegra: Folha de S. Paulo