MPF abriu investigação preliminar sobre a suspeita de que Ministério da Justiça tenha produzido dossiê sobre servidores
Depois de o Ministério Público Federal (MPF) abrir investigação preliminar sobre o “fichamento” de 579 servidores públicos por um órgão do Ministério da Justiça, a pasta emitiu uma nota, nesta quinta-feira, defendendo o monitoramento de funcionários. Os documentos produzidos pela pasta tiveram como alvo servidores que se identificaram como antifascistas em redes sociais ou assinaram manifestos públicos ligados à causa. O argumento usado pela Secretaria de Operações Integradas (Seopi) é que a medida tem a intenção de prevenir práticas ilegais por parte dos funcionários e garantir a segurança.
Advogados e juristas ouvidos pelo GLOBO, no entanto, avaliam que os documentos representam violação de garantias constitucionais e possível ato de improbidade administrativa, passível também de sanção criminal. O monitoramento feito pela Seopi, subordinada ao MJ, foi distribuído para órgãos de segurança pelo país e recebeu críticas por poder ensejar uma possível perseguição a servidores que são críticos ou opositores ao governo Bolsonaro.
“As atividades de inteligência desenvolvidas se baseiam nos princípios da legalidade, do sigilo e da segregação das informações. Assim, elas se destinam exclusivamente às autoridades públicas que efetivamente necessitem prevenir situação de risco para a segurança pública conforme cada caso”, justifica a nota, acrescentando:
“Trata-se, resumidamente, do fornecimento de informações devidamente organizadas, para que as autoridades possam planejar e atuar em operações de segurança com o devido conhecimento dos fatos”.
O MJ afirma ainda que a produção de informações de inteligência é atividade “típica de Estado” e que as estruturas de inteligência do ministério são mantidas desde o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A nota diz também que “a Seopi reitera que sua área de inteligência atua dentro da mais estrita legalidade. Assim, por óbvio, não atua para investigar, perseguir ou punir cidadãos”.
Policiais e professores no alvo
Segundo o portal “UOL”, que revelou o caso, os dossiês teriam sido produzidos no último mês de junho, já sob a gestão do ministro André Mendonça. Dentre os alvos citados dos dossiês estariam policiais, agentes de segurança e professores universitários.
“O MPF oficiou a Secretaria de Operações Integradas (Seopi), concedendo um prazo de dez dias para que sejam fornecidas entre outras informações sobre: o fato noticiado, a base legal, a indicação do objeto do relatório de inteligência e motivação de sua instauração, fato originador do relatório de inteligência, informação sobre a sua difusão, indicando órgãos, autoridades e pessoas que tiveram acesso ao relatório de inteligência, bem como sobre a decretação de sigilo do referido relatório”, anunciou o MPF ao abrir a investigação nesta semana.
A suspeita de investigação sobre movimentos antifascista ocorre em um momento no qual a Polícia Federal investiga atos antidemocráticos por parte de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, em um inquérito que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF).
A reportagem do “UOL” destaca que, na primeira quinzena de junho, a Seopi produziu um relatório sobre o assunto “Ações de Grupos Antifa e Policiais Antifascismo”. O relatório reúne, de acordo com a reportagem, nomes, fotografias e endereços em redes sociais de signatários do manifesto “Policiais antifascismo em defesa da democracia popular” e de outro documento, datado de 2016, intitulado “Manifesto de policiais pela legalidade democrática”. O dossiê, classificado como “restrito”, reuniria 579 nomes e foi compartilhado com órgãos federais e estaduais.
De acordo com o ex-procurador da República e professor de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Daniel Sarmento, chamam atenção os motivos que levaram à escolha desses servidores por parte do ministério.
“A existência de atividade de inteligência para municiar o Estado a adotar medidas cabíveis de prevenção de conflito não é, por si só, inconstitucional. O problema é presumir que quem não comunga das posições do governo é um inimigo que deve ser monitorado. Não pode haver um viés ideológico nesse tipo de atividade”, afirmou Sarmento.
Leia na íntegra: O Globo