Possível punição pode ser advertência, suspensão das funções ou celebração de Termo de Ajustamento de Conduta
Documento produzido pela Controladoria Geral da União (CGU) estabelece que podem ser punidos os servidores públicos federais que usarem as redes sociais para criticar seus superiores ou órgãos que ocupam. Elaborado no início de julho, o texto tenta unificar o entendimento do governo sobre o tema, uma vez que a CGU coordena o Sistema de Correição do Poder Executivo Federal, área responsável pela apuração de supostas irregularidades cometidas por servidores públicos.
O assunto é controverso e há posições divergentes dentro do próprio governo sobre a possibilidade de punir administrativamente um servidor pelo uso que faz de suas redes pessoais no Twitter, Facebook entre outras.
Produzido sob a forma de uma nota técnica da Coordenação-Geral de Uniformização de Entendimentos da CGU, o documento conclui que a divulgação pelo servidor de “manifestações críticas ao órgão ao qual pertença, em veículos de comunicação virtuais, são condutas passíveis de apuração disciplinar”. Também pode haver punição se o funcionário público postar nas redes sociais “opinião acerca de conflitos ou assuntos internos”.
Segundo a interpretação da CGU, a conduta pode ser enquadrada como violação da lei 8.112 que regula o funcionalismo público. A manifestação em rede social privada, na avaliação da Controladoria, configuraria “descumprimento do dever de lealdade” do servidor para com o órgão que atua.
A nota técnica cita que a própria CGU editou cartilha para orientar servidores sobre o uso de suas redes. A cartilha estabelece que “o servidor público deve evitar a disseminação em redes sociais de opinião contrária a do órgão ou de informações e impressões pessoais que possam de alguma maneira afetar a reputação da Instituição”. O mesmo documento já alertava que “críticas inapropriadas ao órgão em redes sociais podem caracterizar descumprimento do dever de lealdade às instituições” com possível punição que poderia ser advertência, suspensão das funções ou celebração de Termo de Ajustamento de Conduta.
O novo parecer repete os termos da cartilha e tenta dirimir dúvidas jurídicas para deixar claro que a punição administrativa é possível.
“Ao tomar posse em um cargo público, uma pessoa comum passa a estar sujeita a um regime estatutário, recebendo um nova qualificação como servidor público, e, por consequência, como parte da Administração. Esta sua nova condição se adere a sua representação perante a sociedade, impondo-lhe a submissão a deveres e obrigações – como o dever de lealdade –, cuja observação pode ser exigida mesmo em situações de sua vida privada”, diz o texto da CGU, acrescentando:
“Mesmo fora do período de trabalho, há de ser exigido do servidor, sob certos aspectos, um mínimo de comportamento ético, disciplinado e condigno com a função pública exercida, quando mais nos casos em que este se identifique como tal, ou que, de alguma outra forma, seja reconhecido como representante da Administração”.
O documento faz ainda uma nova leitura sobre o “recinto da repartição”. Isso porque a legislação prevê punição sobre condutas praticadas dentro dos locais de trabalho. De acordo com a nota técnica da CGU, por conta da nova realidade em que servidores podem trabalhar remotamente, esse conceito deve ser ampliado.
“Deve-se admitir a ampliação do conceito de “recinto da repartição” para além do seu espaço físico, devendo se estender aos ambientes virtuais externos onde se verifique a produção de atividade administrativa ou de assuntos relacionados a atividade ou à função do servidor”, diz o documento.
Defesa tem posição divergente
O GLOBO identificou que no âmbito do governo federal pelo menos um ministério já expôs entendimento divergente sobre as críticas que servidores públicos podem fazer em suas redes privadas, quando o alvo é o presidente da República. Em março deste ano, a consultoria jurídica do Ministério da Defesa emitiu parecer reconhecendo que os servidores civis não podem ser punidos administrativamente por criticarem o presidente.
O parecer foi elaborado a pedido da Escola Superior de Guerra (ESG). O major-brigadeiro Leônidas Medeiros Junior, subcomandante da ESG, havia consultado a área jurídica do ministério sobre a possibilidade de punição de professores da instituição que usassem redes pessoais para criticar o presidente da República. O parecer da Defesa diz que, naquele caso, servidores poderiam ser responsabilizados criminalmente se houve uma representação formal por conta de eventual ofensa a honra do chefe do Executivo. Também reconhece que servidores podem ser punidos civilmente, desde que o próprio presidente se considere ofendido e peça judicialmente uma reparação financeira. Mas o documento da Defesa diz que, do ponto de vista administrativo, um servidor não pode ser punido pelas opiniões que expõe em rede privada sobre o chefe do Executivo.
“Diferentemente do que ocorre com os cargos em comissão, que pressupõem uma relação de alinhamento político com quem os nomeiam, os servidores são selecionados pela imparcialidade do concurso público e não por sua simpatia ou antipatia a algum partido político. Tendo em vista a cláusula pétrea do voto periódico, um partido político exerce o comando supremo de um país apenas temporariamente, enquanto que os servidores são selecionados para que permaneçam nessa condição até sua aposentadoria, se assim o desejarem, ressalvados os casos específicos de perda do cargo. Em assim sendo, é consequência desse processo democrático que por ora um presidente, aliado a uma determinada ideologia partidária, agrade um número de servidores e desagrade outros, da mesma forma que ocorre em relação à população em geral do Estado. Nessa contextura, consideramos que ao servidor civil, no exclusivo âmbito de sua vida privada, é permita inclusive a manifestação política contrária ao Presidente da República como decorrência do pluralismo político, sem que isso possa lhe gerar qualquer tipo de responsabilização na esfera administrativa”, diz o parecer.
O parecer da Defesa cita ainda como exemplo liminar concedida pelo ministro Luiz Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF). Atendendo pedido de recurso do sindicato dos servidores do Judiciário, Barroso suspendeu parte de resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que impôs limite ao uso de rede sociais a magistrados e servidores. Barroso entendeu que as regras só poderiam ser aplicadas aos magistrados por conta de vedações expressas na legislação que trata da carreira de juízes. Já os servidores não poderiam ter o direito de expressar posições político-partidárias em redes sociais.
Segundo a CGU, a “internet não é – e não pode ser – um território sem lei, em que o agente público possa veicular informações que comprometam a credibilidade das instituições”. Ao assumir o cargo, sustenta a Controladoria, o servidor não pode adotar ações “que maculem a sua instituição”. “Eventuais críticas ou sugestões de melhoria de processos e fluxos podem – e devem – ser feitas, inclusive, nos canais oficiais”, diz a nota.A CGU sustenta ainda que o entendimento da Corregedoria-Geral seria semelhante ao que vigora na iniciativa privada e cita como exemplo o caso de uma caixa de farmácia que foi demitida por ter ofendido a empresa e seus clientes em postagens no Facebook.
Leia na íntegra: O Globo