Governo federal sofreu derrotas e a União terá de aumentar de 10% para 23% os recursos que deposita no Fundeb; texto segue para o Senado
Em um dia considerado histórico para os educadores e com uma derrota do governo, a Câmara aprovou nesta terça-feira, 21, a renovação do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), principal mecanismo de financiamento das escolas públicas do País. Além de aumentar a quantidade de recursos que a União passa a depositar no fundo, o novo formato diminui a desigualdade, destinando mais dinheiro aos municípios mais pobres.
A matéria prevê mais que o dobro de gastos da União na educação básica, passando a complementação dos atuais 10% para 23%. Com as mudanças, 17 milhões de alunos a mais serão beneficiados no País, por meio de recursos para a escolas em que estudam.
Em plenário, deputados de oposição e também os alinhados ao governo comemoraram o texto. No primeiro turno, o texto-base foi aprovado por 499 votos a favor e 7 contrários. Eram necessários pelo menos 308 votos para passar a PEC. No segundo turno, presidido pela deputada Tabata Amaral (PDT-SP), o texto-base foi aprovado por 492 votos a favor e 6 contrários. Somente deputados bolsonaristas votaram contra a proposta nas duas votações. A PEC vai ao Senado, onde também precisará ser votada em dois turnos e da aprovação de três quintos dos senadores. Se houver mudanças, volta para a Câmara.
O Fundeb foi criado em 2007 e expirava no fim deste ano, mas o governo Bolsonaro se recusou a discutir a prorrogação até a véspera da votação, o que chegou a colocar o mecanismo em risco. No sábado, o governo quis destinar recursos do fundo renovado ao Renda Brasil, que ainda está sendo desenhado pela equipe econômica para substituir o Bolsa Família, para driblar o teto dos gastos federais (que não atinge o Fundeb), e ainda limitar o gasto com salário de professores, mas essas propostas foram rejeitadas.
O que muda
Principal mecanismo de financiamento da educação básica, o Fundeb funciona como uma conta bancária que recebe 20% do que é arrecadado em impostos, na maioria estaduais, como ICMS e IPVA. Até agora esse dinheiro era dividido pelo número de alunos em cada Estado. O resultado dessa conta não podia ser inferior ao valor mínimo por estudante estipulado pelo governo federal, cerca de R$ 3 mil. Os Estados mais pobres ganhavam ajuda financeira da União, que até hoje representava 10% do Fundeb. A cada R$ 10 investidos na área, R$ 4 vêm do fundo.
O complemento federal atual é de 10% – cerca de R$ 16 bilhões no ano. O texto aprovado torna o fundo permanente, previsto na Constituição, aumenta o papel da União no financiamento e altera regras de distribuição dos recursos. Com a aprovação desta terça-feira, o governo federal passa a responder por 23% do total dos recursos, que vai aumentar gradativamente durante seis anos. Em 2021, serão 12% e em 2022, 15%. Depois, os recursos aumentarão em dois pontos percentuais a cada ano. Além disso, 2,5% irão para municípios que tiverem melhores resultados de aprendizagem, mas os detalhes ainda serão definidos em lei complementar.
O número de municípios pobres que receberão recursos extras também vai aumentar, chegando a 2.745 cidades, segundo o Movimento Todos pela Educação. Trata-se de uma alta de 46%, considerando que 1.699 municípios são beneficiados no formato atual. Segundo a área técnica da Câmara, essa expansão atingirá 17 milhões de alunos. A rede pública soma 35 milhões de matrículas da educação básica.
Outra mudança é que a lógica, que era estadual, passa a ser municipal. Ou seja, municípios pobres em Estados ricos não recebiam essa complementação da União. Segundo cálculos do Todos pela Educação, 2745 redes de ensino e 17 milhões de alunos a mais receberão dinheiro para aumentar o quanto investem por estudante, até 2026. O valor mínimo investido por aluno deve aumentar de R$ 3,7 mil para R$ 5,7 mil.
Dos recursos extras, 2,5% vão para municípios que obtenham bons resultados. O texto prevê o cumprimento de condições de gestão, melhora em atendimento e redução de desigualdades, mas o formato também será definido em lei complementar. Os 10,5% restantes serão distribuídos com base no gasto municipal (o que atinge cidades pobres em estados mais ricos). Metade desse recurso (5,25%) terá de ser investido pelos municípios na educação infantil, o que foi proposto pelo governo.
A alta na complementação busca aumentar o protagonismo da União no financiamento da educação básica, que é baixo atualmente. Quase 80% desse dispêndio saem dos cofres de municípios. Também busca equalizar o investimento pelo Brasil, uma vez que há grande desigualdade no gasto com educação pelo país. O orçamento da área varia sete vezes entre os municípios que contam com o menor e maior volume.
O que é o Fundeb
O Fundeb serve como mecanismo de redistribuição de recursos destinados à educação. Ele é um conjunto de 27 fundos (26 estaduais e 1 do Distrito Federal), do qual se arrecada dinheiro para o pagamento de professores e o desenvolvimento e manutenção de todas as etapas da educação básica –creche, pré-escola, ensino fundamental, ensino médio e educação de jovens e adultos. A educação superior não entra nessa conta.
Estados e municípios dependem do Fundo para manter o funcionamento das redes de ensino. Sem esse recurso, não há garantia de dinheiro para o pagamento dos professores e a manutenção das escolas. No ano passado, os recursos do Fundeb somaram mais de R$ 166 bilhões – sendo cerca de R$ 151 bilhões de arrecadação estadual e municipal, e R$ 15 bilhões da União. Com prazo de vencimento em 2020, ele será extinto caso não haja renovação nos próximos meses.
Em Santa Catarina
O fundo foi responsável por destinar R$ 6,2 bilhões para escolas estaduais e municipais de Santa Catarina em 2019. De janeiro a junho deste ano, já foram viabilizados R$ 2,9 bilhões para a educação do Estado por meio do fundo. A divisão, que é feita de acordo com a quantidade de alunos matriculados segundo o Censo Escolar do ano anterior, resultou em envio de R$ 3,7 bilhões para os municípios manterem as escolas, onde estão matriculados a maioria dos estudantes do ensino básico catarinense. O valor equivale a 60% do total do Fundeb arrecadado em SC em 2019. Já as escolas estaduais ficaram com R$ 2,5 bilhões.
Os valores recebidos pelo Fundeb ajudam no pagamento do salário de professores, já que pelo menos 60% do fundo precisa ser usado na remuneração do magistério. No Novo Fundeb, a ser votado pelo Senado, esse percentual vai subir para 70%, mas incluindo todos os trabalhadores da educação.
Em Santa Catarina, atualmente Estado e municípios utilizam 80% do Fundeb para pagamento do magistério, segundo informações da Secretaria de Estado da Educação e da Federação Catarinense dos Municípios (Fecam). Além disso, os recursos do Fundeb ajudam também no custeio de despesas diversas da manutenção das escolas, como reformas, compras de materiais e equipamentos.
Fonte: Folha de S. Paulo, Estadão e NSC.