Votação é tida no governo federal como o maior teste até aqui para a nova base de Bolsonaro, construída com cooptação do Centrão
Após defender que parte do aumento de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) fosse usado para viabilizar a reformulação do Bolsa Família, o governo Jair Bolsonaro cedeu ontem e aceitou um aumento nas verbas até maior do que o proposto pelos parlamentares, mas quer atrelar parte disso para a primeira infância (de 0 a 6 anos), em especial a criação de vagas em creches.
O modelo desse novo repasse ainda não estava definido até a noite de ontem, mas a promessa do governo era oficializar suas sugestões hoje, para que a proposta de emenda constitucional (PEC) que prorroga o Fundeb possa ser votada à tarde pelo plenário da Câmara. O aceno, contudo, é que o aumento dos repasses extrapolaria os 20% iniciais projetados no relatório da deputada professora Dorinha Rezende (DEM-TO) e chegaria a 23%.
Atualmente, o governo complementa os gastos de Estados e municípios com educação básica (de 4 aos 17 anos de idade) em 10%. O aumento para 20%, na projeção da Câmara, representaria um gasto adicional de R$ 13,9 bilhões em 2026. A elevação dos repasses será gradual, em seis anos.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, era contra aumentar a complementação para além de 15%. Como sua proposta não encontrou eco no Congresso, ele a reformulou e passou a defender que os outros 5% fossem usados para transferir renda para que famílias carentes com crianças na primeira infância – parte da reformulação do Bolsa Família, que o governo Bolsonaro quer batizar como Renda Brasil e substituir o auxílio emergencial da pandemia.
A proposta gerou críticas dos deputados e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), por não ter relação com a educação e ser apresentada às vésperas da votação. Na opinião de Maia, seria uma “burla” ao Teto de Gastos, que impede o crescimento das despesas acima da inflação, mas tem como exceção os repasses do Fundeb.
O ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, trabalhou para adiar a votação e convencer os deputados a ajustar o texto. Reuniu-se com os partidos de manhã e, diante das resistências, voltou a se encontrar à tarde com Maia, Dorinha, líderes partidários e deputados ligados à educação e sinalizou com o aumento dos aportes. O percentual chegaria a 23%, mas com até 5% investidos em vagas de pré-escola, creche e educação infantil.
O formato de repasse desse adicional ainda seria regulamentado, mas foi elogiado pelos parlamentares.
“Vamos manter as bases do projeto, agora com possibilidade de avanços e não mais retrocessos”, afirmou a deputada Tabata Amaral (PDT-SP). O líder do PSDB, Carlos Sampaio (PSDB-SP), reforçou que o projeto não tem mais relação com o Renda Brasil. “Não tem nada mais de voucher, aquelas coisas de comprar vaga ou não em creche. É tudo para educação, não tem nada relação com assistencial”, disse.
Outro acordo fechado foi reduzir um pouco mais o aumento das verbas para educação em função da pandemia da covid-19 e da maior restrição fiscal por causa da queda da arrecadação atrelada ao aumento de gastos emergenciais. Antes da calamidade pública, os deputados planejavam um aumento para 15% no ano que vem. Com a crise, passou para 12,5% e, após a reunião de ontem, será de 12% em 2021. Guedes tentava manter em 10% e só permitir qualquer elevação no ano seguinte, mas saiu derrotado pela negociação.
O governo ainda tenta modificar outros dois pontos do projeto. Quer limitar os gastos com pagamento de professores a 80% do fundo e permitir o custeio de aposentadorias. A relatora é contra as duas modificações, mas há divergências entre os partidos e o Executivo ainda avalia se tentará mobilizar sua base aliada no Congresso para votar emendas. A dificuldade é o quórum: o governo conta com cerca de 200 deputados, número suficiente para impedir, mas não para aprovar uma PEC (são 308 votos).
Por isso, o Palácio do Planalto comemorou o adiamento da votação, prevista inicialmente para ontem. Entre auxiliares palacianos, a expectativa era de uma derrota certa para a contraproposta do governo ao texto da relatora, caso o texto tivesse sido mesmo levado a voto ontem. O governo ainda tenta postergar a votação ao máximo possível. Embora Maia insista em votá-la hoje, a intenção do Executivo é que a votação aconteça apenas na semana que vem, pelo menos.
A alegação é de que o novo ministro da Educação, Milton Ribeiro, assumiu só na quinta-feira e não está a par do assunto. Ontem, Ribeiro anunciou que testou positivo para a covid-19, o que levou o governo a reiterar os pedidos pelo adiamento. A votação é tida no Palácio como o maior teste até aqui para a nova base do governo, construída com cooptação do Centrão.