Por Astrid Baecker Ávila, Célia Regina Vendramini e Mauro Titton
Reproduzimos manifesto do qual somos, com mais sessenta colegas filiados ou não na Apufsc, coautores e que expressa posição contrária à implantação do “ensino” remoto na UFSC como resposta para as necessidades impostas pelo isolamento social decorrente da Pandemia da COVID-19.
Compreendemos sua gravidade e nossas responsabilidades frente à situação; assim, afirmamos nosso posicionamento em defesa da vida, da saúde e da educação pública como direitos humanos e sociais. Defender a vida exige investimento em ciência em todas as dimensões e responsabilidades ética e social das mais diferentes instituições que promovem a formação humana e produzem conhecimento.
A educação e a formação humana são aspectos que demandam relação interpessoal e coletiva, apropriação ativa e criativa de saberes universais, imersão em processos de estudo e construção do conhecimento histórico e social. O processo de ensino e aprendizagem supõe práticas sistemáticas, regulares, planejadas, diz respeito à relação entre sujeitos e objetos, sujeitos e fenômenos, sujeitos e sujeitos, implica uma atividade comum, colaborativa entre professor e alunos. A educação – processo pelo qual nos tornamos humanos – depende da ação coletiva, da vida social, da interação humana.
O debate e as proposições para a educação nesse momento têm sido pautados pelo capital como oportunidade de expansão, mercadorização e privatização deste direito social, colocando o “ensino” remoto como única solução. Perguntamos: por que nossa preocupação maior deve ser com o cumprimento do calendário escolar e não com o processo formativo? Por que o ano escolar precisa coincidir com o ano civil? Que noção de tempo e espaço é esta que não considera a preeminência da preservação da vida? Que interesses internos e externos subjazem à urgência de “aprendizagem”? O que está no horizonte desse modo de aprender (via remota) e como se pretende viabilizá-lo? Quais os prejuízos dessa solução para a formação dos estudantes? Quais as suas consequências sobre o trabalho docente e de técnico-administrativos?
Estamos em tempos de reclusão, de isolamento social, de cuidado com a saúde, de aproximação profunda entre os que coabitam, de diálogo. Tempos que também exigem investigações sobre a saúde (física e psíquica), a sociabilidade, as relações humanas, sobre o momento crítico no qual estamos vivendo. Se a vida não está “normal”, as atividades pedagógicas também não poderão estar.
As discussões na UFSC sobre “ensino” remoto estão aceleradas, limitadas e, em alguns casos, antidemocráticas. Reestabelecer um calendário escolar neste momento pode ser precipitado e, certamente, excludente de pelo menos 37% dos estudantes que não responderam ao diagnóstico realizado na UFSC, talvez pela falta de acesso à internet, e de uma média de 8% dos que responderam não terem condições para tanto.
Diante do exposto, defendemos que:
1. o ensino presencial não seja substituído pelas denominadas atividades/aulas remotas, pois não é possível uma transposição direta do primeiro para o segundo, possibilitando a improvisação. Com base no conhecimento crítico acumulado pelas Ciências da Educação, questionamos o uso do “ensino remoto” e correlatos como substitutos do ensino presencial na Educação Básica e no Ensino Superior. Há uma concepção tecnicista de educação embutida nestas modalidades. A tendência, se for adotado, é o aprofundamento das desigualdades escolares e precarização da formação para os/as estudantes e intensificação e sobrecarga aos docentes e TAEs envolvidos no processo;
2. as instituições federais não reproduzam a lógica dos interesses mercantis que redundaram na expansão exponencial das matrículas em EaD na rede privada de ensino superior, preservando seu compromisso com a formação de qualidade;
3. as relações de trabalho e o trabalho docente não sejam feridos pela subordinação de sua autonomia a interesses forâneos;
4. neste ano não será possível o retorno presencial às atividades acadêmicas. Portanto, o mais viável a se pensar e debater amplamente com a comunidade acadêmica é a possibilidade de um semestre ampliado;
5. sejam desenvolvidas atividades formativas, envolvendo estudantes, docentes, servidores técnico-administrativos e a sociedade em geral, com atividades online diversas, sem caráter obrigatório, que auxiliem na compreensão do momento e na superação das angústias causadas pelo medo, pela insegurança e pelo isolamento social;
6. a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis – PRAE dê agilidade ao cadastramento e à análise das solicitações aos programas de assistência, ampliando o número de sujeitos atendidos, incluindo os estudantes da pós-graduação sem bolsa ou vínculo de trabalho;
7. o vestibular da UFSC e o ENEM sejam adiados em função das complexas situações de formação nas instituições educativas, principalmente nas escolas públicas;
8. a UFSC atue para impedir demissões de servidores e servidoras terceirizados/as, mantendo os atuais contratos e evitando o agravamento das condições de vida desses trabalhadores, bem como a interrupção de contratos de professores substitutos;
9. se estabeleçam formas de luta para exigir a recomposição do orçamento e a ampliação dos recursos na universidade para as pesquisas e ações de enfrentamento à pandemia, assim como de verificação de suas consequências para as pessoas, a vida social, a renda familiar, além de apoio aos estudantes em situação de vulnerabilidade;
10. rejeitemos a lógica da reconversão da função social da Universidade pública, em andamento, seja pela subordinação articulada da pesquisa ou de suas atividades de ensino e extensão às demandas do mercado;
11. não aceitemos as novas formas de subordinação tecnológica da Universidade Pública, cujas consequências serão de longo alcance sobre o trabalho de técnico-administrativos, a formação dos estudantes e sobre a liberdade de cátedra;
12. não concordemos com a política de desmonte das IES que o Ministério da Educação vem desenvolvendo, no interior da qual o “ensino remoto” pode ser uma das vias;
13. não cedamos a formas tecnológicas com possibilidades latentes de recolha e controle de informações dos trabalhadores e estudantes da Universidade para fins não explícitos;
14. é preciso proteger os saberes produzidos pelos docentes nas atividades de ensino, evitando seu uso comercial ou político;
15. a intensificação do trabalho docente, sua precarização e a do ensino não podem se transformar na regra de funcionamento da Universidade;
16. se considere nas decisões – necessariamente coletivas – as distinções entre as ofertas de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio, graduação e pós-graduação, que não podem responder às necessidades atuais da mesma forma;
17. não é possível desconsiderar as imensas disputas capitalistas que pretendem se apropriar da Universidade pública para subordiná-la às suas demandas de acúmulo de capital pela via de sua privatização.
Diante do exposto, e por estarmos conscientes dos riscos infligidos à Universidade, nos manifestamos contrários à adoção do “ensino” remoto na UFSC e a favor da vida e dos cuidados exigidos no atual contexto.
Florianópolis, 29 de junho de 2020.
Astrid Baecker Ávila e Célia Regina Vendramini (EED-CED); Mauro Titton (MEN–CED)
Os artigos publicados nesta seção não refletem necessariamente a opinião da diretoria e/ou dos filiados da Apufsc.