Por Fábio Lopes da Silva
Há algumas semanas, enviei a amigos a notícia de que Florianópolis tinha ficado 32 dias sem registrar mortes em decorrência da COVID-19. A ideia era dar um alento a pessoas que eu sabia estarem angustiadas. Meu sonho de consumo era que elas respondessem simplesmente “que bom”. Melhor ainda se acrescentassem um ponto de exclamação no final. Mas não foi exatamente isso o que aconteceu. Boa parte das réplicas se fizeram acompanhar por adendos do tipo “Sim, mas quando o tempo ficar mais úmido, o número de mortes certamente crescerá”, ou qualquer outra previsão ruim semelhante. Um dos destinatários chegou ao cúmulo de dizer que tinha medo de que a boa nova levasse as pessoas a sair às ruas. Se bem entendi o seu raciocínio, o ideal era que tivessem ocorrido muitas mortes, para que as pessoas caíssem na real e permanecessem confinadas, o que faria diminuir o número de vítimas fatais do coronavírus. Em suma, era preferível que muita gente tivesse morrido, a fim de que, em seguida, menos gente morresse, o que, obviamente, é uma ideia sem pé nem cabeça.
Há duas lições a tirar desse episódio. A primeira é a de que um pessimismo militante está tomando conta de corações e mentes: não são poucos os indivíduos ao nosso redor que passaram a ter raiva das notícias benfazejas e agora as combatem apaixonadamente. A segunda lição é a de que a pandemia está colocando esses mesmos indivíduos do outro lado do espelho de Alice: no mundo mental deles, como na história concebida por Lewis Carroll, o preto vira branco, o bom vira ruim, e vice-versa.
É claramente essa inversão de valores o que se registra no âmbito da UFSC, em sua inacreditável letargia diante da tarefa de fazer avançar a retomada das aulas em regime remoto. Defender a instituição e os alunos sempre significou e significará fazer alguma coisa por eles, menos na Universidade tal como ela existe hoje. Na UFSC atual, essa defesa se faz alegadamente por meio da inação e da inércia. É isso o que se constata quando se leem as recentes declarações da reitoria sobre o tema. Depois de meses de sondagens e discussões, estabeleceu-se uma série de medidas e etapas para a implementação do ensino a distância. Só falta aos comunicados da Administração Central um “pequeno detalhe”: as datas efetivas em que as aulas vão de fato ser retomadas. Essa lacuna imperdoável rouba toda a consistência da proposta e a torna perigosamente parecida com mais um gesto de procrastinação.
Enquanto isso, os alunos só estão protegidos na cabeça de quem não para um minuto para pensar no fato de que nenhuma rede objetiva e permanente de solidariedade e contato hoje liga a instituição aos discentes. Em outras palavras, eles estão todos na chuva, na base do cada um por si, como as famílias infelizes “cada uma à sua maneira”, de que nos fala Tolstói na famosa abertura de Ana Karenina. Pior: sem essa rede densa capaz de nos ligar aos estudantes – que são o coração pulsante da Universidade – a instituição como um todo permanece em uma espécie de limbo, à beira da inexistência. Ok, tudo nestes tempos em que vivemos é meio estranho. Mas retirar da UFSC as suas principais vértebras a propósito de fazê-la parar em pé não é cabível em nenhum mundo possível, nem mesmo neste em que estamos provisoriamente metidos.
Aulas remotas são a única maneira de assistir as pessoas; de chegar a elas; de identificar e, ato contínuo, ajudar os alunos em real situação de risco; de fazer circular a ciência, a literatura e a filosofia, que nada mais são do que nomes diversos para isso que chamamos vidas humanas.
Oferecê-las, é claro, não é uma situação livre de contradições. Pessoas talvez fiquem pelo caminho (como, aliás, sempre ficaram, com a diferença de que, antes, estranhamente, não se dava muita bola para isso). Mas já não estão ficando? Ou alguém acha que, abandonados pela instituição, alunos não se sentirão ainda mais infelizes em seus casulos e ainda mais propensos a abandoná-la? Alguém realmente acha que a instituição existe agora em algum lugar abstrato, apenas à espera da volta da normalidade para descer dos Céus e se reinstalar na Terra novamente? Alguém realmente acredita que encontraremos, sabe-se lá que dia, no retorno às aulas presenciais, a UFSC tal como a deixamos, intacta e incorruptível como os cadáveres de certos santos em igrejas europeias? Alguém realmente pretende argumentar que da fraqueza pode nascer a força?
Registra a história que cristãos se reuniram em catacumbas a fim de professar a sua fé sob o tacão da repressão romana. Registra a história que houve aulas na Ucrânia devastada pela campanha stalinista de fome de 1932 e 1933, no curso da qual mais de três milhões de pessoas pereceram. Houve aulas na Bielorrússia ocupada pelos nazistas, que assistiu à morte de algo como 25% de sua população. Houve aulas em guetos atormentados por epidemia, miséria e opressão. Registrará a história que, na pandemia de coronavírus, no Ano da Graça de 2020, não houve uma única aula na Universidade Federal de Santa Catarina?
Professor do DLLV-CCE
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