Para o novo titular da Educação, o sistema de cotas é uma das “políticas públicas positivas”, mas não deve ser a única para destruir desigualdades
Escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro como novo ministro da Educação, o professor Carlos Alberto Decotelli, de 67 anos, é evangélico, oficial da reserva da Marinha e o primeiro negro a ocupar um cargo na Esplanada. Ele, no entanto, prefere se apresentar como um técnico aberto ao diálogo. “Vamos favorecer o diálogo e a comunicação com o MEC”, disse o sucessor de Abraham Weintraub, que deixou o governo cercado por polêmicas e após confronto com o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso.
Segundo Decotelli, que teve a nomeação publicada na noite de quinta-feira, 25, no Diário Oficial da União, Bolsonaro não mencionou as pautas ideológicas ao convidá-lo para assumir o Ministério da Educação. Questionado sobre como vai tratar de temas caros à base bolsonarista, como escola sem partido e ideologia de gênero, Decotelli, que diz se guiar pelo Novo Testamento, afirma respeitar a opinião de todos, mas ressalva que, neste momento, a urgência é resolver os problemas da educação decorrentes da pandemia do coronavírus. Para o novo titular da Educação, o sistema de cotas é uma das “políticas públicas positivas”, mas não deve ser a única para destruir desigualdades.
ESTADÃO – Qual será sua prioridade à frente do Ministério da Educação?
DECOTELLI – Sou professor há muito tempo, acadêmico, pesquisador e escritor de livro. Recebi o convite com muita alegria porque a Educação foi sempre a minha vida, minha prioridade. Nós, como brasileiros, temos que fazer um esforço redobrado, principalmente agora em que a pandemia nos coloca novos desafios. O convite é para aplicar minha especialidade, eu sou gestor e professor de Economia na área de finanças, a favor da educação.
Mas o que o senhor pretende fazer?
Primeiramente é ampliar o diálogo com todos que queiram melhorar a educação no Brasil e conversar melhor com conselhos representantes, dirigentes de escolas, secretários de Educação. Segundo é fortalecer a integração entre os segmentos de governo que têm conexão com a educação e conversar melhor com a Comissão de Educação do Senado e da Câmara, assim como com o IBGE, que tem dados técnicos e estatísticos sobre a realidade do Brasil para podermos melhor fazer a entrega da educação pública.
Que pedidos o presidente Jair Bolsonaro fez ao senhor na condução do MEC?
O presidente solicitou a máxima dedicação para fortalecer a gestão e a comunicação do MEC para favorecer o diálogo. Outra solicitação é que seja feita uma atualização dos indicadores de avaliação do nosso desempenho educacional. Atualmente, temos problemas com o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), que mede a qualidade da educação básica, que trabalha com metas que foram construídas em 2005. Fica muito defasado e por isso é preciso revisar os indicadores para que tenhamos uma realidade comprovada do que queremos avaliar.
Como o MEC contribuirá com secretarias estaduais e municipais em um planejamento de retomada das aulas pós-pandemia?
Nossa atitude será conversar com o conselho dos secretários de Educação para que, juntos, possamos pensar a maneira ideal de ajustar, porque a realidade brasileira é muito diferenciada na estrutura da saúde pública no atendimento à Covid. Então, não se pode adotar um padrão nacional, mas nós acreditamos que é possível conversar com os representantes dos Estados para que, juntos, possamos ajustar um cronograma, construir o que é possível e o que não deve ser prosseguido em função do risco à saúde pública.
O presidente se elegeu com as bandeiras de escola sem partido e contra ideologia de gênero. Ele pediu a atuação do senhor nessas frentes?
O presidente não conversou sobre essas pautas. A preocupação dele é essa grande emergência da Covid-19 e educação, por isso o foco ficou concentrado em gestão atualizada e diálogo para aproveitar as melhores práticas para a entrega da melhor educação no Brasil em um ambiente de Covid-19. Esse é um aprendizado que ninguém sabe direito o que fazer. É uma meta mundial com tentativa e erro, nenhum país do mundo tem a segurança de como fazer isso.
E qual a opinião do senhor sobre esses temas, que são caros aos apoiadores do presidente?
Eu sou um técnico. Cresci dentro da Primeira Igreja Batista do Rio e sou voltado para as questões da crença neotestamentária do núcleo evangélico tradicional, como as igrejas Batista, Metodista, Presbiteriana. Frequentei escola dominical desde dois anos de idade e hoje sou membro da Primeira Igreja Batista de Curitiba. Nas convicções que estão na Bíblia, no Novo Testamento, eu acredito. Uma questão de fé. É assim que procedo na minha vida.
A ideia, então, é não tornar essa questão um campo de batalha político?
Eu respeito a opinião de todos, mas eu tenho uma urgência tão grande de resolver questões da educação que a Covid desorganizou… A ideia, claro, é fazermos uma gestão que seja compatível com a realidade em que cada um pode opinar.
O senhor é o primeiro ministro negro no governo Bolsonaro. Qual é a sua opinião sobre o sistema de cotas?
Todos nós precisamos fazer autocrítica como brasileiros. Estamos no século 21, o Brasil ficou mais de 300 anos em um regime escravocrata e hoje ainda assusta a ideia de que seja normal pessoas de etnias diferentes terem oportunidades iguais. Eu vejo uma necessidade didático-pedagógica de nós chegarmos ao século 21 e dizer: “Olha, não importa a sua etnia, não importa origem de raça ou de cor”. Você deve ter sonhos para buscar a sua realidade. Quando você constrói um pré-conceito, você está bloqueando sonhos, destruindo vidas. A minha motivação é que hoje haja inspiração para que no Brasil possamos refletir a autocrítica do que queremos como sociedade. Quanto menor quantidade de preconceito existir, melhor será a construção de oportunidades para que o ser humano se realize, independentemente de ele ter gênero masculino, gênero feminino, que seja negro ou asiático.
Mas qual a sua opinião sobre a política de cotas, especificamente?
Vamos conversar sobre tudo que for melhor para destruir desigualdades. Se a cota, a motivação, o apoio, os símbolos, a estrutura… Vamos conversar sobre quais seriam as melhores soluções para nós equalizarmos a sociedade brasileira. O sistema de cotas é uma das políticas públicas que são positivas. Além das cotas, o que precisaremos? Acesso para pessoas que tenham a renda menor poder estudar. Quais são as formas pelas quais as pessoas vão se sentir bem e iguais e como transformar seres humanos que etnicamente nasceram diferentes, mas com oportunidades iguais na convivência social? Essa é a grande pergunta. E essa pergunta passa por vários itens, incluindo a realidade das cotas, mas também símbolo, o apoio, o diálogo…
E representatividade? O senhor se reconhece ocupando este lugar?
Reconheço. Eu creio que as crianças possam olhar como motivação, que possam olhar como uma oportunidade, um outro leque que pode ser também um sonho, uma proposta como um brasileiro que vai construir o país.
Contratos assinados pelo senhor durante a gestão no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação são alvos do Tribunal de Contas da União e da Controladoria Geral da União, como o de kits escolares e notebooks. Como o senhor explica?
Os contratos começaram em 2018 e isso tudo foi arquivado. Sugiro procurar o FNDE, que tem todos os documentos para disponibilizar. Foi tudo cancelado e desativado.
Leia na íntegra: Estadão