Suspeita é de que o ex-ministro da Educação usou da prerrogativa do cargo para driblar restrições impostas aos brasileiros para entrar nos Estados Unidos
A controversa saída de Abraham Weintraub do Ministério da Educação ganhou uma nova polêmica quando o governo federal modificou a data de exoneração do ex-ministro. Primeiramente publicada em edição extra do Diário Oficial da União, do último sábado, a demissão dele foi alterada para o dia anterior, segundo decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro. De acordo com o Executivo, a mudança aconteceu por solicitação do próprio Weintraub. O ex-ministro fez o pedido em uma carta de demissão, que foi entregue à Secretaria-Geral da Presidência, responsável pelos atos administrativos, apenas quando ele já tinha chegado aos Estados Unidos.
Antes mesmo da mudança promovida pelo governo, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MPTCU) cobrou explicações do Palácio do Itamaraty a respeito da ida de Weintraub aos Estados Unidos. Na representação assinada pelo subprocurador-geral do TCU Lucas Rocha Furtado, o órgão diz querer “avaliar a regularidade da gestão” da “suposta utilização do passaporte diplomático no episódio”.
“Uma vez inexistente finalidade pública na viagem realizada, o uso desse tipo de passaporte teria objetivado, conforme algumas notícias divulgadas em diversos veículos de mídia, evitar uma quarentena obrigatória para entrada nos Estados Unidos, devido à pandemia da covid-19”, diz o documento, que também alerta que, se confirmada alguma irregularidade, isso “pode, inclusive, gerar alguma espécie de constrangimento diplomático para o Brasil perante a nação amiga norte-americana”.
Segundo o subprocurador-geral do TCU, “ainda pairam dúvidas acerca da possível utilização de recursos públicos para custear a viagem do ex-ministro, viagem essa que não detinha nenhum caráter oficial, o que lhe retira a finalidade pública e, portanto, se houve o emprego de valores públicos em qualquer fase dessa viagem, esses recursos foram indevidamente empregados e deverão ser ressarcidos ao erário”.
Fraude
Ao saber da alteração na data da exoneração, Furtado disse, em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo que a retificação confirma ter havido fraude no processo. “Antes, era ilegal e parecia haver fraude. Agora, confirmou. Em uma questão tão sensível, não se pode falar em mero erro”, comentou.
Com a nova data de exoneração de Weintraub, a entrada dele em território americano, no sábado, pode ter desrespeitado a legislação estabelecida pelo presidente Donald Trump para controlar o ingresso de estrangeiros no país em meio à pandemia do novo coronavírus. Passageiros provenientes do Brasil que queiram viajar aos Estados Unidos precisam cumprir quarentena obrigatória em outro país.
O que pode ter facilitado a liberação de Weintraub foi o fato de ele ainda contar com passaporte diplomático e visto especial de ministro de país estrangeiro no momento do desembarque, pois, àquela altura, a demissão ainda não tinha sido publicada — a exoneração só aconteceu depois de ele ter aterrissado em Fort Lauderdale, cidade da Flórida.
Segundo o site da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, essa é uma das categorias de visto que está dentro da exceção da resolução do governo americano que trata sobre as restrições de acesso aos EUA durante a crise sanitária.
Ainda não há confirmação a respeito de Weintraub ter se valido das documentações para não ser barrado em solo americano. O Correio questionou a Secretaria-Geral da Presidência se o ex-ministro entrou no país em missão oficial, em posse de passaporte diplomático, mas não houve resposta. A pasta não explicou o motivo da demora para a entrega da carta de demissão de Weintraub ou para o suposto erro na divulgação da data da exoneração. A reportagem também contatou o Ministério das Relações Exteriores para saber como o governo federal vai acompanhar a situação de Weintraub a partir de agora, mas, novamente, não recebeu retorno.
A Embaixada dos Estados Unidos no Brasil foi questionada sobre quais serão as providências a serem adotadas contra Weintraub, mas não respondeu. Apenas o Ministério da Educação prestou esclarecimentos, informando que os custos da viagem não foram pagos pela pasta. Segundo o MEC, a carta de demissão de Weintraub foi entregue à Presidência da República na sexta-feira passada.