Por Bebeto Marques
Ao comentar meu artigo “Tencofobia, anacronismo pedagógico e responsabilidades institucionais”¹, o caro professor Armando Lisboa (CMN/CSE) procura em seu artigo² demarcar o terreno ideológico como razão principal que tem condicionado a UFSC ao não retorno (letargia) às atividades de ensino no período da pandemia de Covid-19. Ao fazer isso, aprisionou meus argumentos sobre tecnofobia e anacronismo pedagógico, associando-os a uma “esquerda rançosa”.
A letargia da UFSC em retornar às atividades de ensino me parece mais um problema de incapacidade de gestão administrativa da reitoria, do que propriamente uma questão ideológica. Nessa fase aguda da pandemia, com o distanciamento social, o retorno às aulas deve envolver o ensino remoto, cuja implementação depende que se superem vários obstáculos. Eu apontei dois: a tecnofobia e o anacronismo pedagógico.
Não é a primeira vez que escrevo sobre o tema do anacronismo pedagógico das universidades e o faço porque gosto de discutir o lugar onde trabalho e também por ser professor de metodologia de ensino (química) e de disciplinas na PG em Educação Científica e Tecnológica. De modo que minha primeira observação é de ordem formal. Não escrevi aquele texto na qualidade de presidente do sindicato, pois não consultei a categoria sobre o tema. Eu respeito a figura e os limites de uma representação política. Esse pequeno equívoco do prof. Lisboa, que já ocupou a presidência da Apufsc, é bastante revelador. Parece estar mais interessado em “enquadrar” as “atuais lideranças políticas da UFSC”, do que propriamente discutir os aspectos acadêmicos da EaD (ensino remoto). Sua argumentação concentra-se no combate da esquerda (teor rançoso), falando de algum outro lugar ideológico que a história parece lhe reservar.
No mais, é de um simplismo analítico afirmar que a tecnofobia é um mal da “esquerda rançosa”. Isso equivale afirmar que a adesão ufanista às tecnologias na educação e que seu mau uso é restrito àqueles de direita. Tanto pessoas de esquerda como de direita usam com frequência crescente as novas mídias para se comunicar, mas muito pouco – em meio acadêmico – para ensinar. Do mesmo modo, o problema não está entre o não uso ou a generalização cega, indiscriminada e ufanista da EaD, mas sim encontrar o uso equilibrado das mídias na educação. Sou crítico desses extremos, não pelo argumento ideológico, mas pelo descompasso em não se ver suas potencialidades e ao mesmo tempo o não reconhecimento dos seus limites e cuidados em campo educacional. Também é necessário reconhecer que existem práticas tradicionais no ensino presencial que, se tornadas digitais, tanto por pessoas de direita como de esquerda, apenas irão reproduzir mais do mesmo. Logo, falar de anacronismo pedagógico e tecnofobia nas universidades requer outra ordem de análise.
No meu artigo anterior apontei alguns aspectos históricos da EaD na UFSC e que o ensino remoto deve ser visto como uma forma emergencial de retorno às atividades de ensino. Sua adoção exige que se assegurem condições tecnológicas para todos. Não cabe improvisação. Além disso, nem todos os envolvidos nas atividades sabem lidar com as tecnologias (mídias) no ensino e é nesse ponto que se sente o problema do anacronismo pedagógico que atinge todas as universidades brasileiras. Atualmente, 54 das 69 universidades federais ainda não retornaram às atividades de ensino, portanto, há algo de comum que as impede e não creio seja de ordem ideológica – a não ser que se acredite que a esquerda as domine, como faz o atual governo federal. Por isso, não concordo em reduzir os problemas das universidades desse modo e tampouco faço coro com aqueles que consideram a educação e a ciência como atividades neutras. Esse é um terreno pantanoso e um subterfúgio rasteiro, cujo propósito de alguns é “enquadrar” os problemas e opiniões acadêmicas e científicas em base a matizes ideológicas.
Do ponto de vista pedagógico, alertei para a devido cuidado com o uso de tecnologias para substituir o professor (um trabalhador) por um computador. O alerta não é por uma questão corporativa, da relação capital-trabalho. Esse aspecto, visto pela dimensão pedagógica, envolve um sentido de equilíbrio e de proporção no uso dos instrumentos que configuram os processos de aprendizagem, bem como o tipo de mediação entre objeto do conhecimento e sujeitos do ensino (aluno e professor). É aqui que entra a política, e às vezes a politicagem. É quando essa transforma, por exemplo, a educação em mercadoria e acentua o mau uso do ensino a distância (EaD), auferindo-lhe lucros quanto mais baratear custos, assepsiar conteúdos, “descorporificar” e padronizar métodos e der escala à relação professor-aluno. Coisa que o sr. Vianney tecnicamente entende bem, mas seu utopismo se desvia quando faz da EaD seu negócio, dentro do chamado “capitalismo cognitivo”. Uma visão que deixou marcas negativas aqui na UFSC junto ao LED, imprimindo a ideia de e-commerce à EaD. Portanto, quando assisto pessoas como essas, mas não só, desferirem duras críticas à UFSC pela sua morosidade em retornar às atividades de ensino, me pergunto onde estavam e por que não apoiaram as mobilizações de 2019 contra os cortes de verbas à ciência e à educação, esses sim fatores de sucateamento tecnológico que hoje refletem negativamente nas condições de retorno. Talvez estejam mais interessadas em tirar proveito político e econômico da situação do que propriamente oferecer ajuda à universidade. Mas essa não é, como disse, a linha principal de minha argumentação.
Assim, ao não se reconhecer a preponderância de aspectos acadêmicos ao problema que levantei pode-se intuir ou má-fé política ou é incapacidade de oferecer algo substantivo aos desafios no emprego das tecnologias no ensino e aprendizagem. Se for a última hipótese, abre-se espaço para pensarmos caminhos teórico-metodológicos aos tempos atuais e repensar os problemas acadêmicos ao futuro das universidades. É sobre isso que um grande número de países está debatendo ao discutir o ensino remoto. Algo que no Brasil é ainda mais difícil pois nós professores temos pouca formação com as mídias digitais na educação, quase nenhuma experiência pedagógica com o uso delas e nossas condições de trabalho docente são marcadas pela inexistência de recursos tecnológicos oferecidos à instituição por seus financiadores. Lembrando que o déficit de acesso às tecnologias digitais não se restringe a nós, mas afeta todo o país.
A acusação de “viseira ideológica que avalia o ensino não presencial, no limite, ser precarização, pura pilhagem e desmonte do ensino público”, cabe a todos àqueles, a exemplo do Prof. Lisboa, que atribuem todos os males às ideologias adotando uma ideologia. Minhas ideias sobre o anacronismo pedagógico nas universidades procuram ser mais abrangentes e profundas, não estão acorrentadas à ideologização de tudo. Procuro, na medida de minhas limitações, resgatar e reforçar o espírito iluminista para as reformas que a universidade brasileira precisa fazer, urgentemente.
- http://www.apufsc.org.br/2020/06/11/tecnofobia-anacronismo-pedagogico-e-responsabilidades-institucionais-na-ufsc/
- http://www.apufsc.org.br/2020/06/15/a-letargia-da-ufsc-na-pandemia-razoes-ideologicas/
Professor do CED/UFSC
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