Dificuldades de acesso e adaptação das avaliações criaram cenário de incerteza na rede pública de SP
Passados quase dois meses desde o início das aulas a distância para alunos da rede pública de São Paulo, estudantes afirmam estarem sobrecarregados com as atividades enviadas pelos professores. Muitos demonstram falta de motivação para seguir os estudos devido às incertezas provocadas pela pandemia do novo coronavírus.
A situação dos docentes não é diferente. O distanciamento do ambiente escolar exige dos professores mais tempo para o preparo das aulas e atividades, correções e, sobretudo, para atendimento aos estudantes por meios eletrônicos.
Essa conexão virtual, aliás, tornou-se um problema em comum para alunos e professores. A falta de recursos tecnológicos, como computadores e celulares, além da dificuldade de acesso a uma boa conexão de internet, são obstáculos enfrentados por todos.
Segundo o diretor estadual da Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), Cauê Campos, a somatória desses fatores tem provocado a sensação de sobrecarga de estudos relatada pelos alunos.
Professor de sociologia, Campos também explica que os estudantes não estavam preparados para um regime de estudos a distância. “Nosso sistema de ensino não leva os estudantes a terem autonomia, então eles têm dificuldade de sentar, assistir uma videoaula, ler um texto, pesquisar e fazer exercícios”, diz. “Na normalidade, [nós professores] estamos lá quase pegando na mão deles para fazer isso.”
Segundo a diretriz da Secretaria de Educação, cada professor deve enviar ao menos uma atividade correspondente por aula ministrada aos alunos. No ensino médio, por exemplo, isso significa mais de 12 atividades de disciplinas diferentes em uma semana.
“Isso é infinitamente mais do que eles fazem de lições de casa normalmente, só que muito menos do que eles fazem em uma semana normal de aula, com a coordenação e explicação dos professores. É isso que dá essa sensação de sobrecarga”, afirma Cauê Campos.
A opinião de Campos é compartilhada pelos professores. “Quando os alunos estão na sala, eles fazem as atividades no ritmo da aula, têm os colegas e os professores para ajudar, e agora, em casa, eles têm que criar o próprio ritmo e, muitas vezes, serem autodidatas”, diz a professora Thais Rodgerio.
Para a educadora, os alunos também estão sentindo o que ela chama de falta de ritmo de estudos. “O bimestre tinha acabado de começar, teve o Carnaval, que quebra o ritmo. E aí, vieram as férias, quebrou o ritmo novamente. Quando voltou, voltou pauleira, com aplicativo, com todo mundo aprendendo do nada”, lembra.
A estudante Ohanna Sanna, 18, por exemplo, relata que teve dificuldade para se adaptar a essa rotina de estudos. “No começo, para cada matéria, os professores estavam colocando três ou quatro atividades para entregar na semana. Em alguns casos, a gente nem tinha três, quatro aulas com aquele professor”, reclama a estudante Ohanna Sanna, 18.
Aluna do terceiro ano do ensino médio, ela conta que, após reclamações dos alunos, a coordenadora da escola definiu junto aos professores uma redução na carga de trabalhos.
“Agora, os professores colocam lições com uma quantidade parecida com o número de aulas que eles terão na semana. Antes, tinha dias que eu passava o dia todo estudando quando o certo seria ficar cinco horas”, diz.
Como aluno do ensino médio e do técnico, Guilherme de Oliveira Silva, 17, estava acostumado a estudar em dois períodos e ainda reservar um tempo para se preparar para os vestibulares.
“Como os professores estão passando mais atividades como forma de avaliação, eu não tive tempo ainda de pegar os livros para estudar para o vestibular”, diz o aluno. “Isso está me preocupando bastante. Estou considerando como um ano perdido”, acrescenta o jovem, que pretende prestar o Enem e os vestibulares da Fuvest, da Unicamp e da Unesp.
Para os professores, além da sobrecarga com a preparação das atividades e da preocupação com a eficácia do ensino remoto, existe a insegurança diante das diretrizes da Secretaria de Educação do estado.
Uma delas abre brecha para que professores recebam falta caso não atendam alunos por meios eletrônicos, o que pode significar descontos no salário.
Quem avalia o cumprimento de horas-aula é a direção de cada escola, que usa para isso as plataformas tecnológicas utilizadas pelos professores para comprovar entrega de atividades e atendimento a alunos. Muitos professores, porém, tiveram problemas para se adaptar às plataformas, ou têm dificuldades no acesso remoto, por exemplo.
A diretriz se apoia no decreto estadual que versa sobre critérios para apuração de faltas de professores, de 1995, mas que não contém especificações sobre atendimento virtual.
A Secretaria de Educação afirma que os professores devem “cumprir a mesma jornada de horas que realizavam quando as atividades estavam ocorrendo presencialmente”.
A pasta diz ainda que “orientou explicitamente a todos os professores e escolas que as dúvidas dos alunos devem ser tiradas durante o horário de trabalho dos professores”. Além disso, também afirma que não haverá penalização ao docente que não atender aos alunos fora do horário estipulado de trabalho.
Por fim, a secretaria afirma que a avaliação dos alunos deve ser feita a partir das atividades entregues “sem prejudicar aqueles alunos que não conseguiram realizar todas elas”. “Todos terão a oportunidade de entregá-las no retorno das aulas presenciais para serem avaliados”, completa.