Segundo projeções da maior pesquisa no país para ‘soroprevalência’, o Brasil poderia ter hoje cerca de 6 milhões de infectados
O Brasil ultrapassou nesta sexta-feira a cifra de 1 milhão de casos registrados de Covid-19 sob dois fatores que complicam o cenário: o pico da epidemia ainda não tem um desenho claro, e a real proporção da epidemia é bem maior, apesar de não se saber o tamanho exato dela.
A maior pesquisa no país para “soroprevalência”, que seleciona amostragem da população para fazer exames e detectar exposição ao vírus, indica que 2,6% da população já havia sido infectada naquele momento, seis vezes mais que cifra oficial da época. Isso significa que, projetada a mesma proporção para o dia de hoje, o Brasil teria agora cerca de 6 milhões de infectados.
— Se o número exato é 4, 5, 6 ou 10 milhões a gente não tem como saber, porque nossa pesquisa foi conduzida em 133 cidades e não em todo Brasil — afirma o epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas, que coordena o trabalho. — Mas desde a primeira fase da pesquisa, em maio, a gente já informava que a contagem de casos do Brasil estava na casa dos milhões, e não mais dos milhares.
Longe da ‘imunização de rebanho’
A despeito do avanço da pandemia, a má notícia é que, apesar de já ter infectado 1.009.699 pessoas até agora e matado 48.427 no Brasil, o país ainda está longe de atingir um nível de imunidade de rebanho, em que aqueles que sobreviveram ao vírus carregam imunidade e impedem o vírus de se disseminar demais.
— Ainda estamos muito longe da imunidade de rebanho que normalmente só é atingida quando há de 60% e 70% da população infectada — diz Hallal.
Mantida a atual taxa de letalidade da Covid-19 no país, isso significa que mais de 1 milhão de vidas precisem ser sacrificadas no país para obtenção de imunidade de rebanho sem uma vacina.
— A boa notícia é que, apesar de nenhum país do mundo ter chegado perto de adquirir imunidade de rebanho, em quase todos aqueles onde o vírus chegou antes do Brasil, a epidemia já está caindo, por causa do isolamento social — afirma o epidemiologista.
Em cada região, uma trajetória diferente
Essa desaceleração, talvez, esteja chegando ao país. Se por um lado, as médias nacionais de novos casos e novas mortes estão se estabilizando nos últimos 10 dias, a compreensão do cenário é difícil, porque cada região parece estar numa trajetória diferente da pandemia.
— A gente tem visto, por diferentes métricas, um arrefecimento da epidemia, ao menos para as cidades do Rio e de São Paulo e outros grandes centros — diz Fernando Bozza cientista da Fiocruz que lidera o grupo Nois, um consórcio que analisa a dinâmica da epidemia no país: — A ideia do pico é complicada porque pressupõe uma trajetória apenas de ‘subiu, parou e caiu’. Eu acho que não vai ser assim. Vamos viver mais por uma montanha-russa do que por um pico.
Essa evolução errática é estimulada, em parte, por a epidemia ter comportamento diferente em diferentes locais. Enquanto estados como Amazonas e Ceará já mostram uma desaceleração, e Rio e São Paulo uma estabilização, em outros a Covid-19 parece ganhar mais impulso agora.
— É difícil falar do Brasil como um todo, porque o que existe no país são muitas epidemias. Houve um primeiro momento, no qual as pessoas aderiram muito ao isolamento social, mas, com o tempo, como isso não progrediu e não existiu uma mensagem clara para interromper a transmissão, ela continuou, ainda que num nível mais brando nas cidades, mas a doença progrediu para o interior, progrediu para comunidades, populações vulneráveis e regiões mais afastadas, saindo da visão de quem está na Zona Sul do Rio ou nos Jardins, em São Paulo — afirma o pesquisador.
Um problema de falta de dados, diz, faz com que existam “epidemias invisíveis” no país hoje.
Quando se olha dados por estado, não por acaso aqueles onde a epidemia cresce mais rápido são os que ainda não têm tantos casos registrados acumulados.
O Brasil é hoje a segunda maior epidemia de Covid-19 do planeta e tem um surto em crescimento acelerado quando comparado com o norte-americano, o primeiro lugar, com 2,16 milhões de casos. Uma projeção bruta sugere que o país poderia ultrapassar o número de casos americanos em algum momento antes do fim do ano e se tornar a maior epidemia de Covid-19 do planeta. Em número de casos por habitante, o país também está atrás da Espanha, que tem uma prevalência de cerca de 5% da população.
Ainda que a situação de tendência seja melhor hoje do que um mês atrás no Brasil, o país não consegue um desempenho melhor que os outros.
— Se a pandemia fosse uma corrida de Fórmula 1, nós seríamos hoje o carro mais rápido da pista — diz Hallal.