Percepção era que havia excesso de servidores, mas falta gente em várias áreas
Sob orientação do ministro Paulo Guedes (Economia) de enxugar a estrutura do funcionalismo, o governo Jair Bolsonaro congelou concursos públicos. Neste ano, não houve autorização para nenhuma seleção de novos servidores federais.
Por outro lado, entre janeiro e junho, foi autorizada a contratação de quase 20 mil funcionários temporários para atuar em diversas áreas da administração pública. A expectativa do Ministério da Economia é que o número continuará subindo.
A equipe de Guedes tenta evitar que o Congresso deixe caducar uma MP (medida provisória) que amplia a possibilidade de uso de temporários.
O texto, que libera até contratações por tempo determinado de engenheiros e pesquisadores, perderá a validade se não for votado até o dia 29.
O projeto altera uma lei de 1993 e foi pensado para viabilizar a contratação de militares e aposentados para a força-tarefa do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
Porém, o texto foi ampliado e passou a prever outras possibilidades, como execução de projetos industriais, ocupação de vagas que se tornarão obsoletas a curto prazo ou em crises humanitárias, ambientais e de saúde pública.
A MP ainda depende de votação nos plenários da Câmara e do Senado.
Após assumir o comando da Economia no ano passado, Guedes indicou que suspenderia concursos públicos.
Com o argumento de que houve excesso de contratações em governos anteriores, a estratégia adotada foi a de não repor vagas desocupadas. Segundo o ministro, 40% do efetivo de servidores federais deve se aposentar em um prazo de cinco anos.
Hoje, há 600 mil trabalhadores ativos no serviço público federal. Desses, 518 mil são concursados, e 72 mil, temporários, e 10 mil obedecem às regras da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
“Você não precisa demitir, não precisa fazer nada. Basta desacelerar as entradas, que vai acontecer naturalmente. Esse excesso vai embora sem custo, sem briga, sem demissão”, disse em junho de 2019.
Em 2020, nenhum novo concurso foi autorizado. Os 2.500 servidores nomeados no primeiro semestre ocuparam vagas remanescentes de seleções feitas em anos anteriores.
As autorizações para o regime temporário no mesmo período somam 19,8 mil.
Em 2019, foram liberadas 235,1 mil contratações desse tipo, mas 234,8 mil seriam para o IBGE realizar o Censo Demográfico, que acabou adiado. Desconsiderando esse efetivo, as autorizações somaram apenas 244 temporários em outros órgãos.
A autorização para o maior contrato por tempo determinado neste ano foi para a formação da força-tarefa do INSS. Foram liberadas 8.200 contratações temporárias para tentar zerar a fila de espera de benefícios no órgão, que teve forte redução de servidores nos últimos anos. O efetivo do INSS caiu de 33 mil em 2016 para 23 mil em 2019.
Para o vice-presidente da Anasps (Associação Nacional dos Servidores da Previdência e Seguridade Social), Paulo César Régis de Souza, parte da dificuldade no atendimento é fruto da escassez de servidores especializados.
Para ele, a contratação de temporários não resolve o problema. “Temos defasagem de 11 mil servidores hoje. Esses 11 mil não podem ser terceirizados ou temporários”, disse.
O governo também autorizou 5.200 temporários para ações do Ministério da Saúde no combate ao coronavírus. A pasta ainda solicitou 4.100 contratos desse tipo para atuação em hospitais federais do Rio de Janeiro.
Para o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), foram liberados cerca de 1.500 contratos temporários para prevenção e combate a incêndios florestais.
De acordo com o presidente da Asibama-DF (Associação dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente), Alexandre Bahia Gontijo, a chamada é compreensível.
Gontijo explica que o período de seca demanda um efetivo maior de brigadistas para combater os incêndios.
O problema, segundo ele, está na falta de servidores. Ele afirma que o órgão pede a realização de novos concursos anualmente, mas não é autorizado pelo governo federal.
“Estamos com efetivo muito abaixo do ideal, a gente vem perdendo servidores em ritmo acelerado. Essa defasagem vem há alguns anos, mas está pior agora”, afirmou.
O secretário de Gestão e Desempenho de Pessoal do Ministério da Economia, Wagner Lenhart, prevê que os pedidos por contratações temporárias continuarão crescendo neste ano.
A menos de dez dias para a perda de validade da MP que amplia o leque de temporários no serviço público, ele justifica que o texto moderniza uma legislação de quase 30 anos e diz que o governo negocia com o Congresso para que o texto seja aprovado.
Lenhart argumenta que a atual política econômica busca racionalizar o serviço público. Ele justifica que as contratações temporárias são complementares e servem para objetivos pontuais e específicos.
“A contratação temporária não vem para substituir a contratação efetiva. Temos consciência de que vamos precisar continuar com os concursos públicos para atender à administração”, disse à Folha.
Na pauta do serviço público, a equipe econômica desenhou uma proposta de reforma administrativa. O projeto previa uma reestruturação das carreiras de servidores, redução de salários de entrada, aprimoramento das avaliações de desempenho e fim da estabilidade para a maior parte dos cargos.
Entre as mudanças estava a previsão de mais rigor na efetivação de novos servidores. Todos teriam que passar por um período inicial de três anos de experiência, com exoneração automática no fim desse período. A efetivação dependeria do desempenho do candidato e da existência de vaga.
O texto ficou pronto para entrega ao Legislativo, mas foi adiado sucessivamente até que começou a pandemia. A apresentação da medida pode ficar para 2021.
Em outra frente, já em vigor, Guedes conseguiu condicionar a aprovação do pacote de socorro a estados e municípios ao congelamento salarial de servidores.
Após negociação com congressistas e Bolsonaro, o ministro conseguiu incluir no texto um dispositivo que barra reajustes salariais no funcionalismo até o fim de 2021.
Fonte: Folha