Em meio à pandemia e à total desarticulação do Ministério da Educação, governo tenta emplacar programa que altera o financiamento das universidades
Quase um ano depois de ter lançado a proposta do Future-se, o governo encaminhou ao Congresso Nacional o projeto de lei que institui o programa e altera o modelo de financiamento de universidades e institutos federais. A primeira versão do texto, apresentada no ano passado, foi rejeitada pela maioria das instituições.
Segundo a proposta divulgada ontem pelo Executivo, cada instituição poderá firmar um contrato com o Ministério da Educação (MEC) em que serão definidos resultados a serem alcançados em diversas áreas, como pesquisa e internacionalização. Se atingir os objetivos, a instituição receberá “recursos orçamentários adicionais” do MEC e “concessão preferencial” de bolsas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), ligada à pasta.
“O projeto mantém o foco no empreendedorismo, com uma visão instrumental da ciência, que levará a uma transfiguração do conceito de universidade (diversidade de áreas e função social), entre outras coisa”, diz Bebeto Marques, presidente das Apufsc. “Qual a necessidade de um projeto especial ou específico para esses propósitos? O MEC mal cumpre suas obrigações atuais com as universidades e institutos federais, bem como com a educação básica. Essa gestão é um desastre.”
O texto também prevê que a gestão dos imóveis das universidades e institutos federais possa ser feita por meio de cessão de uso, concessão, comodato, fundos de investimentos imobiliários, entre outros mecanismos, e aponta que deve ser respeitada a “autonomia universitária”, prevista na Constituição Federal. Fica também definido que fundos patrimoniais poderão financiar as ações do Future-se, sem que isso impeça a instituição de ter seu próprio fundo de investimento. Desde que a elaboração do Future-se foi anunciada, a rede federal de ensino teme a diminuição de recursos públicos ao setor.
As fundações de apoio foram colocadas de forma opcional na versão final do governo. Na primeira redação do projeto, anunciado no ano passado, organizações sociais tinham de ser contratadas pelas instituições que quisessem participar do Future-se, o que gerou críticas. O texto passou por consulta pública, mas ainda assim não teve apoio dos segmentos ligados à educação, tendo de ser submetido à nova apreciação popular antes de ser finalizado. O Planalto informou que enviou o projeto na semana passada ao Congresso Nacional.
A proposta enviada prevê que as fundações de apoio poderão contratar, por prazo determinado, pesquisadores e professores estrangeiros para atuar em projetos e programas de ensino, pesquisa e extensão internacionais do Future-se, sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Nesse caso, tais docentes deverão participar de ações para internacionalização, que é um dos eixos do programa, ao lado de empreendedorismo e de pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação.
O texto do projeto não detalha como será o repasse de recursos adicionais do orçamento federal nem os critérios para distribuição de bolsas da Capes às instituições que atingirem resultados visando alcançar as metas propostas. Diz, no entanto, que os contratos só poderão ser firmados entre as instituições e o MEC após portaria conjunta da pasta com o Ministério da Economia aprovando a verba.
Ligado à bancada da educação, o deputado Bacelar (Podemos-BA) afirma que o momento é inoportuno para se apresentar um projeto como esse. De acordo com ele, as comissões da Câmara dos Deputados não estão em funcionamento regular e as sessões virtuais só ocorrem para tratar de temas urgentes relacionados à pandemia da Covid-19. “O MEC deveria estar formando um grande comitê nacional, com repercussão nos estados e município, para tratar do retorno às aulas. O ano será perdido ou não? Vai ter avaliação ou não vai? O MEC continua omisso enquanto mais de 5 mil secretários estão tentando lidar com a situação”, destaca Bacelar.
Ele afirma, no entanto, que há avanços na redação atual do Future-se em relação a versões anteriores. Primeiro por ter sido enviado como projeto de lei e não medida provisória, que já tem força de lei desde a publicação. Em segundo lugar, de acordo com Bacelar, por ter retirado previsão de cobrança de serviços prestados por hospitais universitários.
Bacelar questiona, no entanto, a previsão de que o sistema de governança do programa e a composição e funcionamento do comitê gestor, que vai acompanhar a execução do Future-se, será definido por ato do Poder Executivo federal, conforme prevê o texto do projeto de lei. “Somos contra essa definição posterior a respeito de temas tão importantes, como a governança do programa. São itens que precisam estar claros e já colocados.”
O deputado Idilvan Alencar (PDT-CE) afirma que o MEC tem que reaver credibilidade como instituição e aponta a demissão do ministro Abraham Weintraub, que mantém relações conturbadas com o Parlamento, como condição para que a pasta volte a ter interlocução com a Câmara para encaminhar propostas. “Antes de mais nada, o MEC precisa retomar sua credibilidade para debater educação. Isso envolve demitir o atual ministro e ter uma agenda para a educação, da creche à pós-graduação”, afirma.
Com informações do jornal O Globo