Com fechamento de centros de pesquisas e universidades, nova geração precisa repensar o trabalho
O isolamento social na pandemia, que obrigou o fechamento de universidades, centros de pesquisa e levou à necessidade de aderir ao trabalho remoto no Brasil há mais de dois meses, está afetando diretamente a carreira de jovens cientistas brasileiros.
Aos 27 anos, Leila Araújo havia traçado um plano de ouro para 2020: aprovada no mestrado de geociências do Museu Nacional, não solicitou a bolsa da instituição pois conseguira um estágio na França, em uma empresa petrolífera, que bancaria seus custos por seis meses. “Quando fui tirar a documentação, em fevereiro, o consulado já estava fechado. Minha ida para foi suspensa, sem previsão”, diz. Especializada em palinologia, que estuda os grãos de pólen e esporos, a cientista iria coletar os dados para estudar a relação estratifica das bacias do Congo com as brasileiras. Sem aulas e sendo a geociência uma ciência feita no campo ou no laboratório, Leila está em casa, em compasso de espera. “Me sinto limitada, não sei como agir. Estou sem aulas, sem dados para coleta, sem renda. A sorte é que moro com a minha mãe”.
Mesmo quem têm bolsa e já havia coletado dados também enfrenta desafios. “O momento de fazer ciência hoje exige extrema adaptação”, diz Giuliana Zuccoli, 26, bióloga. Quando a quarentena começou, ela estava em um treinamento de cultura de células no Rio, útil ao seu doutorado no Laboratório de Neuroproteômica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Com a universidade fechada e, impossibilitada de seguir com seu doutorado, inscreveu-se em um dos projetos emergenciais da Unicamp, que investiga como o novo coronavírus afeta os neurônios. “É uma sensação estranha ir ao laboratório, quando devemos, todos, ficar em casa. Ao mesmo tempo, sofro com a pressão de ter meu doutorado parado. Mas esse é momento de retribuir à sociedade”.
Os cientistas convocados para ir aos poucos laboratórios abertos no país, e atuar em pesquisas do coronavírus, relatam aprender novas técnicas e a oportunidade de expandir um trabalho colaborativo com pesquisadores de outras áreas e não cientistas. É o caso de Leonardo Schultz da Silva, 31, que está em São Vicente (SP), trabalhando com as startups Biobreyer e Biolinker em um projeto do Instituto de Biociência da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp). A iniciativa tem potencial de baratear em até 40% os insumos para os testes da covid-19. Sem conseguir submeter o seu pós-doutorado à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de S. Paulo (Fapesp) antes da pandemia, voluntariou-se no instituto, onde trabalhou por nove anos. No meio do caminho, ganhou uma bolsa de três meses, concedida a brasileiros envolvidos em pesquisas da covid-19 pela organização Dimensions Sciences.
Com o Brasil tornando-se um dos picos da pandemia, o ritmo é de urgência por um tratamento, remédio e vacina. “Precisamos dar uma resposta rápida à sociedade e o que fazíamos em dois meses na bancada de experimentos, estamos entregamos em duas semanas”, diz Jaqueline Goes de Jesus, pós-doutoranda do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (IMT-SP). A virologista de 30 anos, que trabalha com zika, dengue e chikungunya, chamou atenção por liderar o grupo que sequenciou o genoma do primeiro caso de coronavírus no Brasil. Em apenas 48 horas. No fim de maio, a equipe totalizava 400 mil sequências. “Com essa repercussão, pesquisadores do Brasil todo me contataram. Essa rede será muito útil para monitorar outras epidemias endêmicas no país”.
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