Por Fábio Lopes da Silva (DLLV-UFSC)
A UFSC completa neste ano seis décadas de existência. Parte de sua estupenda história de sucesso se confunde com a história da Apufsc. O sindicato foi, sem dúvida, peça fundamental na preservação da Universidade e no aprimoramento dela.
Tomem-se, a título de exemplo, acontecimentos transcorridos na virada da década de 1990 para a de 2000. As instituições federais de ensino superior viviam uma fase muito difícil, sob o tacão de cortes progressivos de verbas, achatamento significativo de salários e tramitação de projetos de governo que ameaçavam a integridade da carreira docente. Mesmo com muitos defeitos e precariedades, a Apufsc – na esteira de grandes assembleias de associados – liderou longas e penosas greves, que, em seus momentos críticos e decisivos, contaram com a adesão de 90% do quadro docente local. Nossas reuniões mobilizavam centenas de colegas e duravam horas, no curso das quais o debate de ideias e a formatação de encaminhamentos eram intensos e ricos. Em grande parte dos casos, as teses e propostas ali delimitadas se impuseram nacionalmente e foram determinantes para que, ao fim e ao cabo, lográssemos defender a instituição. Houve eventos memoráveis, como enormes passeatas em que milhares de professores, técnicos e alunos de rigorosamente todos os centros de ensino caminharam juntos do campus à Praça XV, sob aplausos da população. Até corte de salário suportamos, sem que esmorecêssemos em nossas ações e convicções. Em uma das paralisações, quase duas dezenas de colegas de diferentes universidades imolaram seus corpos em uma greve de fome.
Os docentes – à custa de imensos sacrifícios e incertezas – fizeram o governo recuar em suas intenções mais radicais. Não foi uma goleada, mas vencemos.
Superada a crise, a Universidade passou por uma prolongada trégua, durante a qual a estrutura sindical – de fato, envelhecida e ultrapassada – foi submetida a uma minuciosa revisão. Um certo número de professores interessados em renovar as práticas na Apufsc comandou o processo, e a maioria de nós aprovou as mudanças.
Os primeiros anos do experimento pareciam confirmar o acerto das modificações implementadas no funcionamento do sindicato. Mas não custou muito para que começassem a aparecer sinais de que a Nova Apufsc tinha sérios limites. Durante a administração Dilma Rousseff, uma crise econômica de grandes proporções despontou no horizonte e foi desastrosamente gerida pela presidente, com consequências para o investimento público, inclusive a Universidade. Nos anos seguintes, a orientação econômica abertamente liberal do governo Temer e, de modo muito mais radical e autoritário, do governo Bolsonaro resultaram em riscos e ameaças significativas para os entes públicos de ensino, pesquisa e extensão. Nenhuma resposta expressiva, contudo, foi dada por nosso sindicato a essa instabilidade crescente que passou a acossar o sistema universitário público e as agências de fomento à Ciência & Tecnologia. A falta de articulação entre a Apufsc e as associações de docentes das outras universidades públicas só fez agravar os problemas. Foi ficando claro que a intenção dos reformadores de nossa entidade – aproximá-la dos professores, eliminando a pesada burocracia, a falta de transparência e o carreirismo que realmente existiam na antiga Apufsc – não estava se concretizando.
Mal sabíamos, no entanto, que a verdadeira prova de fogo ainda estava por vir. Ela emerge agora, com a pandemia da COVID-19 e a grave crise econômica que dela decorrerá. Eis o desafio de nosso tempo, e o sindicato simplesmente não tem como se desviar do enfrentamento dessa circunstância. Cumpre buscar soluções eficazes para os dilemas que, daqui em diante, só se avolumarão.
É obviamente impensável que a Apufsc mude aspectos de sua estrutura e de seu modo de funcionamento sem discussão e aprovação dos associados. Concorde-se ou não com as práticas adotadas, é isso que os professores da UFSC escolhemos, e é isso que, até segunda ordem, temos. Mas é igualmente evidente a imensa fragilidade da atual estrutura frente à dimensão das turbulências que estamos apenas começando a atravessar.
Claro que ninguém esperava uma pandemia, e nenhuma instituição – nem mesmo Estados ricos e altamente organizados – tinha receitas prontas e instrumentos plenamente desenvolvidos para lidar com a doença e suas implicações. Mas isso não faz o vírus desaparecer nem exime as pessoas – mormente as que estão em cargos formalmente investidos de responsabilidades públicas – de fazer tudo o que estiver ao seu alcance para superar os obstáculos diante de nós.
É urgente que o Conselho de Representantes se reúna e delimite um plano de ações capazes de organizar uma reação aos problemas vindouros, que certamente incluirão, no mínimo, corte expressivo de financiamento e rebaixamento de salário, seja por decisão de governo, seja por simples corrosão inflacionária. Temos um encontro marcado com o futuro.
Ao articular essa nossa indispensável reação, temos que reconhecer – humilde e urgentemente, sem preconceitos – que o processo de reforma da Apufsc aperfeiçoou o sindicato em muitos casos, mas, por outro lado, não construiu nenhuma alternativa para a articulação nacional que antes havia e para instrumentos como a greve, que, embora nem sempre tenham sido bem usados, foram acionados com sucesso nas horas em que realmente se fizeram necessários. A verdade é que, no afã de produzir algo radicalmente diferente do passado, a Nova Apufsc jogou fora o bebê junto com a água do banho. Ou admitimos isso, ou uma conta provavelmente de grande monta chegará em prazo relativamente curto e recairá sobre nossas famílias e nós. A reintegração de nossa associação a uma instância sindical nacional e a desobstrução das barreiras ideológicas e cognitivas que impedem a eventual deflagração de ações tão contundentes quanto greves me parecem os únicos caminhos possíveis. Se alguém assim não entender, estou completamente aberto a reconsiderar minha posição, desde que, claro, a crítica seja acompanhada de uma agenda positiva, um outro plano de ação.
Seja como for, encontrar uma saída para os impasses que já batem às portas do sindicato e entram por suas janelas é reponsabilidade de todos os associados. Mas rezam as regras vigentes na Apufsc que cabe ao Conselho de Representantes dar o primeiro passo no processo de debates e decisões. Um plano de ação – e acabo de sugerir as diretrizes que, a meu juízo, não podem faltar a esse documento – precisa ser elaborado e submetido à categoria o mais cedo possível. Estou a postos e à espera de que esse dever estabelecido no regimento da entidade seja cumprido. A tarefa é gigantesca e, para muitos, dolorosamente autocrítica. Mas é também incontornável e inadiável. Com a palavra, os Senhores Membros do Conselho de Representantes da Associação de Professores da Universidade Federal de Santa Catarina.
Fábio Lopes da Silva é professor do DLLV-UFSC
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