Dentre as carências no Brasil para combater a panderia está uma estrutura nacional de testes e rastreamento
O estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) noticiado hoje (23) pelo G1, traz mais uma evidência da carência brasileira no combate à pandemia de Covid-19: uma estrutura nacional organizada e testes e rastreamento em massa.
Pelos dados do Infogripe, o sistema de monitoramento de síndromes respiratórias mantido pela Fiocruz, mais de 70% dos testes realizados para síndromes respiratórias têm identificado a presença do novo coronavírus Sars-CoV2 nos pacientes. Mas apenas uma pequena fração dos casos suspeitos têm sido testados.
“Não se está conseguindo dar o diagnóstico correto para as pessoas. Você não tem o teste para se contrapor ao número do governo”, disse aos repórteres do G1 o sanitarista Tulio Batista Franco, da Universidade Federal Fluminese. “O fato de a gente não testar a população traz um subdimensionamento nos números”, afirmou a pneumologista Patrícia Canto, da Escola Nacional de Saúde Pública.
O subdimensionamento ocorre tanto no número de casos quanto no de mortes. Pode ser constatado nos dados do próprio Ministério da Saúde. Desde a segunda quinzena de fevereiro, quando a Covid-19 começou a avançar no Brasil, até a última segunda-feira, 8.318 pacientes hospitalizados com o quadro conhecido como Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) haviam sido diagnosticados com o Sars-CoV2, ante apenas 1.925 com outros vírus.
Só que 15.752 eram classificados como “não-especificados” e nada menos que 42.817 aguardavam investigação. Conclusão: de acordo com os dados, o número de casos confirmados de Covid-19 equivale a algo como um sétimo dos casos suspeitos.
Por que não testamos mais?
O Brasil fez 62.985 testes para o Sars-CoV2 até o último dia 7 de abril. Do dia 8 ao dia 20, pelas informações do Ministério da Saúde, aplicou outros 69.642, perfazendo 132.467. Os testes acumulados por milhão de habitantes foram de 296 para 624. Na Argentina, foram de 293 para 862 no mesmo período, segundo o site Our World in Data. Números irrisórios perto dos países que mais testam, como Coreia do Sul (11.221), Alemanha (25.111) ou Estados Unidos (12.537).
O Ministério da Saúde expandiu de 23,9 milhões para 46,2 milhões a meta de testes a adquirir por meio de compras ou doações. Desses, pouco mais de 2,5 milhões já foram distribuídos. Mas comprar e distribuir os testes é um passo perto do desafio de construir uma infra-estrutura de testagem e rastreamento capaz de acompanhar o avanço do vírus numa população de mais de 210 milhões – único modo de garantir a retomada de um mínimo de normalidade sem pôr vidas em risco.
Nos Estados Unidos, cuja população supera 330 milhões, seria necessário testar entre 5 milhões e 20 milhões por dia para garantir o fim das quarentenas, estima um estudo da Universidade Universidade Harvard. Outra análise, da Fundação Rockefeller, fala em 30 milhões de testes por semana. Proporcionalmente, isso significaria que o Brasil precisa no mínimo de algo entre 1,8 milhão e 3,2 milhões de testes diários.
Hoje o governo brasileiro não consegue fornecer uma contabilidade diária da testagem. Pelos últimos dados disponíveis, fez entre 7 e 20 de abril 5,4 mil testes por dia, ou 25 por milhão de habitantes. Os americanos têm aplicado perto de 150 mil diariamente, ou 457 para cada milhão.
A falta de estrutura logística no Brasil
No Brasil, a deficiência não está tanto na falta de kits de teste, mas na lentidão e na dificuldade de processá-los. Tanto na coleta das amostras quanto no fluxo dos laboratórios. “Temos testes suficientes, o gargalo agora é a logística e o processamento”, afirmou ao jornal O Globo Marco Aurélio Krieger, vice-presidente da Fiocruz.
De acordo com ele, o Brasil já ampliou sua capacidade de testes de 2 mil por dia para 10 mil por dia. Em São Paulo, a meta é chegar a 8 mil por dia até o final do mês (hoje são feitos perto de 2 mil). O estado, que chegou a acumular mais de 20 mil testes à espera de processamento, conseguiu zerar a fila, de acordo com a secretaria da Saúde. Para Krieger, o Brasil terá rapidamente a capacidade de realizar 30 mil testes diários.
Mesmo assim, para chegar à proporção de testes já em marcha nos Estados Unidos, seria necessário o triplo disso, ou perto de 95 mil por dia. Para não falar na necessidade de milhões diários para permitir a retomada das atividades na falta de vacinas e tratamentos eficazes.
Para alcançar tal patamar, estão em estudo soluções criativas, como as máquinas de auto-teste, capazes de processar em menos de meia hora o resultado das amostras recolhidas em cotonetes especiais. Ou inovações tecnológicas que ampliam o processamento nos laboratórios. A China, que já domina o mercado de reagentes químicos, corre para também ser a pioneira no fornecimento dessas novas máquinas.
A prioridade agora deveria ser destinar a capacidade dos laboratórios para onde ela é mais necessária. Enquanto o Brasil precisa de pesquisas sorológicas extensas para conhecer a prevalência e letalidade reais da Covid-19, um clube paulistano de elite hoje testará aqueles associados que se dispuserem a pagar R$ 300. Quem tem sintomas leves e for a laboratórios privados munido de um pedido médico na certa será testado. Ao mesmo tempo, o Brasil, por falta de testes, não sabe com segurança nem quantos pegaram o novo coronavírus nem quantos já morreram de Covid-19.
Fonte: Blog G1