Coronavírus pode deixar sequelas neurológicas graves, alertam cientistas brasileiros

Distúrbios como convulsões e desorientação sofridos por doentes com Covid 19 sinalizam ataque do vírus ao cérebro

Cientistas do Rio de Janeiro e do Canadá alertam que entre os impactos de longo prazo da pandemia do coronavírus podem estar doenças neurológicas e neurodegenerativas. Num estudo publicado na edição de hoje da revista Trends in Neurosciences, o grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), do Instituto D’Or de Pesquisa e Educação (Idor) e da Universidade Queen’s, no Canadá, analisam os casos de complicações neurológicas observadas em pacientes com Covid-19  e advertem para a necessidade de investigar as possíveis sequelas nos sobreviventes.

Os distúrbios sofridos por alguns pacientes incluem convulsões, perda de consciência, derrames, encefalite, desorientação e indicam que a Covid-19 pode atacar o cérebro. Os pesquisadores, porém, não sabem ainda se os danos são causados pelo ataque direto do vírus Sars-CoV-2, se pela reação inflamatória generalizada provocada por ele (a chamada tempestade imunológica) ou se pela combinação de ambos. O fato é que doentes de Covid-19 têm apresentado distúrbios neurológicos, que potencialmente pode deixar sequelas.

“O coronavírus tem nos surpreendido, age de forma estranha. A Covid-19 está longe de ser apenas uma doença respiratória. É preciso acompanhar os sobreviventes e avaliar se desenvolvem sintomas de distúrbios neurológicos”, destaca a neurocientista Fernanda De Felice, da UFRJ e da Universidade Queen’s.

O também neurocientista Sergio Ferreira, da UFRJ, diz que as lesões observadas em algumas vítimas de Covid-19 se assemelham àquelas associadas a doenças neurodegenerativas. São doenças neurodegenerativas, por exemplo, os males de Alzheimer e de Parkinson.

Biomarcadores

Os pesquisadores se preparam agora para iniciar um amplo estudo no Brasil sobre o impacto do coronavírus no sistema nervoso e também buscar substâncias no sangue que possam indicar o risco de ataque da Covid-19 ao sistema nervoso central. Dentre outras coisas, buscam identificar possíveis biomarcadores de comprometimento neurológico na Covid-19.

“Biomarcadores são a necessidade mais urgente e serão instrumentos preciosos para os médicos avaliarem a gravidade do estado dos pacientes e poderem intervir logo. Também ajudarão a identificar o risco de sequelas”, diz Fernanda Tovar Moll, do Idor e da UFRJ.

Esse estudo deverá ser feito por um consórcio de pesquisa do IDOR com universidades e hospitais públicos e investigar dados de mais de 2.000 casos de pessoas infectadas pelo coronavírus.

O neurocientista Jorge Moll, do Idor, diz que os pesquisadores correm para entender como acontece o agravamento da Covid-19.  Os cientistas sabem que coronavírus de forma geral, e não apenas o Sars-CoV-2, são neurotrópicos. Isso significa que têm particular atração por células nervosas. Mas não conhece ainda o quão neurotrópico o Sars-CoV-2 é.

Os cientistas também investigam como o novo coronavírus poderia chegar ao cérebro. Uma possibilidade é que o nariz seja principal a porta de entrada do coronavírus para o cérebro. A perda de olfato frequente em pessoas com Covid-19 tem sido associada ao ataque do coronavírus ao nervo olfatório. Cientistas sabem que outros vírus podem usar o nervo olfatório para alcançar o cérebro.

Outra possibilidade, explica Sergio Ferreira, é que o vírus chegue ao cérebro por meio da microcirculação sanguínea. Essa seria uma forma de romper a barreira hematoencefálica que protege o cérebro do patógenos.

“Não sabemos o que está acontecendo dentro do cérebro dos pacientes. E precisamos descobrir logo”, diz Jorge Moll.

O Globo