Cinco projetos sobre o novo coronavírus estão ameaçados por falta de recursos, segundo pesquisadores da instituição
Os professores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) André Báfica, Daniel Mansur e José Henrique de Oliveira trabalham em pelo menos cinco projetos sobre o SARS-CoV-2, o novo coronavírus, mas encontram dois obstáculos principais: falta de um laboratório com nível de biossegurança 3 (NB-3) e financiamento insuficiente.
Báfica explica que, para gerar conhecimento que combata o vírus, um local deste tipo é essencial: “É um laboratório altamente controlado, para que todos os patógenos em que você esteja trabalhando não saiam de lá pelo ar. No prédio novo do CCB (Centro de Ciências Biológicas), previmos a elaboração de um destes laboratórios. Está tudo pronto, mas, para funcionar, precisamos de equipamentos. (Entre eles) um que permita a manutenção da diferença de pressão e garanta que os patógenos fiquem contidos apenas naquele ambiente. O outro é uma autoclave de barreira, que através de altas temperaturas esteriliza equipamentos e lixo antes de sair para o ambiente externo ”.
O financiamento necessário para o NB-3 da UFSC começar a funcionar gira em torno de R$ 1,5 milhão. Nas últimas semanas, os professores têm feitos reuniões remotas diárias para buscar grants e outras formas de recursos. Os professores apontam que um laboratório NB-3 não serviria apenas para estudar o coronavírus. “Poderia ser aplicado em diversas pesquisas da UFSC e, quando aparecesse outro patógeno desse porte, a UFSC estaria capacitada para entrar logo no início”, afirma Báfica.
A competência dos pesquisadores e outros colegas de departamento em ciência básica é ressaltada por Báfica. “O melhor jeito com o qual nosso grupo pode contribuir institucionalmente é fazer o que sabe melhor, ciência básica, que é o que vai nos tirar desta pandemia. Todo kit diagnóstico foi feito usando proteínas e genes do vírus e os anticorpos produzidos contra o vírus. Se quisermos ser protagonistas, temos que investir nisso”, aponta. O pesquisador lembra que a Coreia do Sul desenvolveu kits para testes, realizando experimento em tempo real, justamente nesta área. “Agora, o Brasil começa a comprar estes kits gastando na ordem de bilhão de reais (segundo rumores) sem ter gerado um único emprego no Brasil. Nós (cientistas brasileiros) poderíamos desenvolver os kits com este dinheiro. Só que, por inúmeras razões como a falta de governança, não se investe em ciência local neste momento”, conta Bafica.
“Espalha-se a falácia que é assim porque não tem dinheiro. Mas é uma questão de vontade política: de priorizar o dinheiro para um lado ou para outro”, concorda o professor José Henrique. O sucateamento do ensino superior também atinge o pessoal necessário para fazer pesquisa de ponta, dizem os cientistas. Os cortes de bolsas e contratações deixaram laboratórios sem técnicos concursados, pós-graduandos e pós-doutorandos capacitados em volume suficiente. “Existe uma dissociação entre a quantidade de dinheiro que está sendo oferecido, quase como uma desculpa para dizer que as agências de fomento estão fazendo algo, mas o que oferecem é desconectado da realidade do que é realmente necessário para agir (contra o coronavírus)”, acrescenta José Henrique.
Os cientistas destacam que o investimento da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc) em ciência básica é quase invisível. “Há a ausência da Fapesc. Já a Fapesp (fundação paulista), investe muito e coloca o Estado deles num patamar diferenciado”, frisa José Henrique. A Fapesc lançou em 20 de abril, o edital 06/2020 para ações emergenciais aos efeitos da covid-19 e financiará no máximo R$ 100 mil por projeto, com verba total liberada de apenas R$ 500 mil. Dois editais da Fapesp para o pesquisas sobre o coronavírus (um deles em parceria com a Finep) somam R$ 30 milhões.
Combate ao vírus
O grupo tem algumas frentes no combate ao SARS-Cov-2. “Uma delas, é sobre uma proposta de vacina recombinante com proteínas do vírus. Queremos usar uma estratégia inovadora, que não posso detalhar agora. Estamos buscando financiamento do projeto junto ao CNPq, Capes e órgãos internacionais”, diz Báfica, que sempre se interessou na resposta imunológica aos patógenos, como pesquisador. “Durante a evolução, os organismos criaram uma série de ferramentas imunológicas e com isso, podem reconhecer vírus e bactérias como estranhos e responder a eles. Contra o coronavírus, do ponto de vista da ciência básica, precisamos entender quais as proteínas e outras estruturas químicas dos seres humanos que reconhecem e respondem a estes vírus pandêmicos para manipular o sistema imunológico e gerar certos tipos de vacinas”, salienta Báfica.
Antes do coronavírus, José Henrique estava engajado em um projeto para monitorar a emergência de arbovírus (transmitidos por artrópodes), especificamente no vírus da dengue. O grupo discutia os princípios biológicos que permitem antever a emergência de patógenos com potencial pandêmico. “Temos experiência em discutir sistema imune e dinâmica de transmissão de doença, saindo de uma pessoa para outra, passando ou não por diferentes organismos hospedeiros. Muita dessa biologia é aplicável ao coronavírus – claro que muitas coisas são diferentes”, comenta José Henrique.
O professor acrescenta que não tem intenção de reorientar sua linha de pesquisa, mas redirecionou seu trabalho momentaneamente por conta do novo coronavírus: “Como cientistas representantes da universidade, temos o dever de participar desse esforço coletivo. A biologia básica é absolutamente conectada, vários princípios virológicos usados pelo dengue para infectar e causar ou não doença, são usados também pelo coronavírus. São fundamentalmente processos de virologia celular e como ele se conecta com a fisiopatologia. Temos expertise e interesse em usar nossos modelos. Tudo é conectado, é uma das coisas interessantes da pesquisa básica”.
Báfica comenta que várias pesquisas atuais podem ser aplicáveis ao SARS-CoV-2 e cita uma estudante de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Química da UFSC, Franciele Morawski, coorientada pela professora Cristiane Jost e ele, que trabalha com sensores eletrônicos de determinadas citocinas: “Os dados mostram que pacientes com Covid-19 que apresentarem um aumento nos níveis da citocina chamada interleucina-6 têm uma chance de ter uma piora mais severa do quadro clínico. Um sensor usado numa clínica pode avisar quem tem mais chances de ser internado, usar determinado fármaco. Nós estamos em fase avançada de desenvolvimento, mas sem financiamento robusto, não consegue avançar”.
Falta de financiamento
Entretanto, alerta José Henrique, “conectar intenção com ação real custa dinheiro. De um tempo pra cá, (a Universidade) ficou sucateada. Além de, na principal instituição de pesquisa do Estado, não termos um NB-3 para fazer pesquisa com o vírus, não temos dinheiro para comprar os reagentes básicos”. Ele frisa que a formação de cientistas é um investimento caro e demorado para o governo brasileiro, porém muito importante para o progresso do país, o que aumenta ainda mais o desperdício de recursos humanos: “Temos expertise para agir, mas não temos recursos”. Mansur complementa: “Quando precisa da resposta rápida, onde está a ciência brasileira? Está estragada, porque há muito tempo não tem nada”.
A falta de insumos, pessoal e reagentes é outro gargalo para uma resposta da UFSC à comunidade. Mansur estima que apenas os laboratórios do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia (MIP) seriam capazes de realizar 800 testes diários de detecção do SARS-CoV-2. “Essa inércia (da Universidade) se deve aos laboratórios estarem completamente desabastecidos. Sem o NB-3, por exemplo, a gente não pode fazer mais, estamos limitados pela estrutura”. E continua: “Muito se fala sobre ambiente inovador de Santa Catarina. Temos que lembrar que para fazer um aplicativo às vezes é necessário R$ 30 mil. Mas para a gente começar a trabalhar, precisa de pelo menos R$ 1,5 milhão”.
Fonte: Agecom UFSC