Iniciativa ocorreu no mesmo dia em que procurador-geral virou alvo de críticas após blindar integrantes do primeiro escalão do governo
A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a abertura de um inquérito contra o ministro da Educação, Abraham Weintraub, por declarações contra a China em meio à pandemia do coronavírus. O objetivo é apurar se o ministro cometeu o crime de racismo ao insinuar, em uma postagem em rede social, que a China poderia e beneficiar, de propósito, da crise. A manifestação pela abertura de inquérito é do vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, a partir de representações protocoladas contra Weintraub pelo PSOL e por um cidadão comum. O ministro Celso de Mello é o relator do caso no supremo
A iniciativa ocorreu no mesmo dia em que procurador-geral da República, Augusto Aras, virou alvo de críticas após colocar em prática medidas para blindar integrantes do primeiro escalão do governo do presidente Jair Bolsonaro.
A ofensiva contra Weintraub coincidiu com a informação de que Aras encaminhou 20 ofícios a ministros do governo solicitando que pedidos de informações referentes à pandemia feitos por outros procuradores fossem encaminhados para o gabinete da PGR – o que, ao menos em tese, poderia ferir a independência funcional da categoria.
O envio desses ofícios gerou um protesto oficial da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e também dos membros do gabinete integrado da pandemia na PGR, que foi montado e é chefiado por Aras. A ANPR analisa uma ação judicial questionando a medida, enquanto 24 dos 27 integrantes da força-tarefa para a covid-19 disseram que não foram consultados e que discordam da atitude do PGR.
Nos bastidores, procuradores elencaram os motivos que teriam levado Aras a passar por cima dos colegas. “Ele sempre falou que era a favor de um modelo centralizador, não passou por consulta, não debateu com os colegas, não passou na lista [de indicações para a PGR]”, afirmou um procurador. “Na epidemia, ele oscila entre o modelo centralizador, que nem sempre significa ‘bolsonarismo’, mas em boa parte, defende as posições”.
Em sua defesa, Aras argumentou que os ministérios vinham recebendo uma enxurrada de solicitações de informações e orientou as pastas e encaminhar para ele os pedidos, com o objetivo de uma análise de “pertinência”. Ele sustentou ainda que normas internas garantem ao PGR a prerrogativa de se dirigir a ministros de Estado.
Ocorre que ele também interveio em solicitações enviadas a outras autoridades, como secretários. Nesse caso, o argumento é de que as medidas solicitadas demandavam a intervenção de ministros e, consequentemente, do PGR.
Em nota, a ANPR diz que a justificativa de Aras é genérica e que ele estaria, sim, interferindo no trabalho dos colegas. “Nas duas dezenas de ofícios enviados, o PGR indica que poderá haver o reexame do conteúdo das recomendações, sob o pretexto de preservar a atribuição dos órgãos superiores do MPF, em flagrante violação à garantia constitucional da independência funcional”, alega a entidade.
A PGR discorda. Também em nota, o órgão informou que a ação de Aras não interfere na autonomia dos procuradores e busca valorizar a unidade institucional. “A providência de enviar os ofícios a 20 ministérios foi adotada após informações de que as pastas receberam centenas de recomendações endereçadas aos respectivos secretários, mas que, na verdade, exigiam atuação dos ministros”.
A crise vem no momento em que Aras é acusado de proteger Bolsonaro. Enquanto procuradores vem acionando o governo para questionar a postura do presidente em meio à pandemia, a PGR arquivou até agora todas as queixas contra o presidente.