Pesquisadores brasileiros consideram impossível estimar quando o pior terá passado no país
Foram necessários 76 dias de isolamento e semanas sem novos casos de infectados pelo Sars-Cov-2 para que as autoridades chinesas tomassem a decisão de encerrar a quarentena na cidade de Wuhan, epicentro da pandemia de covid-19. Na quarta-feira (08/04), os 11 milhões de moradores voltaram a sair de suas casas dentro de uma normalidade maior, com a certeza de que o pior já passou – o que está longe de significar que não haverá novas ondas da doença.
A DW Brasil conversou com pesquisadores para entender quando, afinal, o pior terá passado também para os brasileiros. Há ao menos duas certezas: é cedo demais para aliviar qualquer restrição no país, e não é possível responder com segurança quando e como se sairá da quarentena. Em princípio será necessário boa parte da população já estar imunizada, e ter sido superado o pico da curva de infectados.
Encontrar respostas torna-se complexo porque, além de se tratar de um inimigo desconhecido e todo estudo neste momento vir com uma lista de ressalvas, há no Brasil um problema adicional: faltam dados fidedignos, apontam os pesquisadores.
Sem testes em massa e com outros tantos represados em laboratórios, não é possível saber ao certo como a curva de infectados evolui e como a doença avança em diferentes regiões. Assim, fica difícil fazer previsões. Por enquanto, só se sabe que o país se encontra na subida da montanha de novos infectados. Quando chegar ao cume, é impossível prever, dizem os pesquisadores, que olham com muita desconfiança qualquer estimativa do tipo.
“O problema de sair da quarentena é o seguinte: você só vai poder sair com certeza, quando todas as pessoas ou 80% da população estiver imunizada”, diz Fernando Reinach, biólogo, professor aposentado da Faculdade de Bioquímica da Universidade de São Paulo e colunista de O Estado de S. Paulo.
Ele aponta duas possibilidades de imunização: pela vacina – que está longe de chegar – ou pela doença . “Acho que a primeira chefe de Estado que falou isso claramente foi a [chanceler federal alemã] Angela Merkel, que disse que achava que 70% dos alemães teriam que pegar o vírus. Como todas as pandemias, só acaba quando o vírus não tem mais quem infectar.”
Ele explica que só se verificam os resultados de uma eventual liberação depois de 15 a 30 dias: “Vamos supor que libere hoje [da quarentena], as pessoas começam a se contaminar e a doença começa a se espalhar, 15 dias depois começam a aparecer casos no hospital, 20 dias depois começam a morrer de novo. E aí decidem fechar de novo, e são mais 20 dias para ver o resultado do fechamento.”
O pneumologista Carlos Alberto Barros Franco, membro da Academia Nacional de Medicina, lembra que a ideia do isolamento não é evitar que se pegue o coronavírus, mas que não se tenha um grande contingente da população contaminado ao mesmo tempo, sobrecarregando o sistema de saúde.
“A questão não é se vou pegar, é quando. Eu quero pegar quando houver leitos disponíveis, quando puder receber tratamento adequado, porque se não, vai-se morrer não pelo vírus, mas por não conseguir atendimento.” Ele, que atende pacientes de covid-19 num hospital particular do Rio de Janeiro, conta que toda a ala separada para o coronavírus já está lotada.
O tal pico da curva
Fala-se muito sobre a superação do pico da curva de infecções como uma linha limítrofe de quando se poderia começar a pensar em relaxar as restrições. Por exemplo: hoje o Brasil está na subida dessa curva, com o número de casos aumentando a cada dia, e teria ultrapassado o pico quando esse número passasse a cair. Contudo, ninguém é capaz de dizer em que momento dessa queda seria seguro suspender a quarentena.
“Até agora, o único país que realmente subiu e desceu a curva foi a China”, onde o alívio da quarentena só chegou depois de duas ou três semanas sem registro de novos casos e com cerca de 70% da população imune, explica Reinach.
Para Domingos Alves, professor e pesquisador do Laboratório de Inteligência em Saúde (LIS) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP), que trabalha com projeções no grupo de pesquisadores Covid-19 Brasil, o primeiro passo para se pensar em sair da quarentena é dispor de dados confiáveis, o que não ocorre hoje no Brasil.
Passaporte de imunidade
Considerados pelos profissionais e pesquisadores ouvidos pela DW Brasil um elemento importante no planejamento da saída da quarentena, os testes de imunidade começarão a ser feitos no Brasil em poucos dias. Eles diferem dos de infecção: enquanto estes detectam a presença do vírus, o imunológico serve para detectar a presença e a quantidade de anticorpos, e determinar quem está imune – embora não seja possível afirmar que quem já contraiu o Sars-cov-2 esteja 100% livre de uma nova contaminação.
Brasileiros de diferentes regiões farão exames, como parte de um esforço para começar a testar a população, liderado pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), com ao menos 12 milhões de reais do Ministério da Saúde, que também pagará pelos testes.
“A ideia é fazer 100 mil testes, distribuídos em três rodadas, de forma que se possa comparar a evolução da epidemia ao longo do tempo”, explica um dos coordenadores do projeto, o epidemiologista Aluísio Barros. Como numa pesquisa eleitoral, ao todo serão testados por amostragem habitantes de 133 municípios escolhidos por serem sedes de sub-regiões estaduais.
A testagem imediata de imunidade não é uma unanimidade. Para Alves, diante da falta do gargalo de exames que se tem para determinar os infectados, o Ministério da Saúde deveria estar direcionando os recursos nesse sentido. Já Reinach defende que a saída da quarentena precisa ser planejada desde já.
Leia na íntegra: DW Brasil