Pesquisadores criaram índice para medir rigidez das medidas impostas pelos governos estaduais
A maioria dos estados acertou ao adotar política para restringir a circulação de pessoas contra o avanço do coronavírus, impondo medidas drásticas quando havia poucos casos de infecção conhecidos, segundo um grupo de pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo).
Os governadores reagiram rapidamente ao avanço da epidemia com as medidas de distanciamento social e mantiveram essas políticas por um número de dias prolongado, em alguns estados antes mesmo que os primeiros casos de Covid-19 fossem notificados, afirmam os pesquisadores.
“Vários estados responderam cedo à situação de acordo com as orientações da OMS (Organização Mundial da Saúde) e com mais clareza que o governo federal”, diz a cientista política Lorena Barberia, coordenadora do grupo. “Eles entenderam que essas medidas são importantes para controlar o contágio”.
Parte de uma rede multidisciplinar que começou a estudar o impacto das políticas de combate ao coronavírus no Brasil, o grupo adotou a mesma metodologia que pesquisadores da Universidade de Oxford desenvolveram para monitorar medidas adotadas por governos de vários países.
O grupo criou um Índice de Rigidez do Distanciamento Social para avaliar restrições impostas por governos a escolas e empresas e para evitar aglomerações. O indicador varia de 0 a 100. Quanto maior o número, maior a rigidez das políticas adotadas.
Segundo o primeiro relatório do grupo, 18 dos 26 estados e o Distrito Federal atingiram índices entre 51 e 75 –entre eles, São Paulo e Rio de Janeiro, onde se concentra a maior parte dos casos notificados até agora. Quatro alcançaram índices de 76 a 100: Acre, Alagoas, Ceará e Goiás.
Em 20 estados, as medidas de fechamento do comércio atingiram o nível de rigidez mais alto. Na maioria, a política foi adotada para todo o território, e não apenas na capital e nas principais cidades do interior. Somente cinco estados restringiram às maiores cidades as medidas dirigidas ao comércio.
Cinco estados impuseram restrições às indústrias também: Alagoas, Ceará, Goiás, Rio Grande do Norte e Roraima. Embora a maioria não tenha adotado medidas específicas para o setor, muitas fábricas fecharam as portas ou reduziram o ritmo de produção mesmo assim, por causa da paralisia geral da atividade econômica.
São Paulo, onde o primeiro caso de Covid-19 do país foi notificado, em 25 de fevereiro, foi o primeiro estado a impor restrições. O relatório do grupo da USP observa que as medidas começaram a ser tomadas num estágio inicial da transmissão da doença, diferentemente do que ocorreu em outros países.
Escolas e universidades fecharam e aglomerações foram proibidas em São Paulo em 16 de março, quando só havia 152 casos conhecidos em todo o país. O comércio fechou no dia 24, quando os casos confirmados eram 840. Na Itália, medidas semelhantes só foram tomadas quando milhares estavam infectados.
Cinco estados mandaram fechar as escolas antes que o primeiro caso de Covid-19 fosse divulgado pelas autoridades: Amapá, Maranhão, Piauí, Rondônia e Roraima. A maioria dos estados adotou as políticas de restrição logo depois de São Paulo, sem esperar pela multiplicação de casos, conforme o relatório.
O presidente Jair Bolsonaro, que defende o afrouxamento das políticas de isolamento para evitar prejuízos que elas causam à atividade econômica no curto prazo, tem pressionado o Ministério da Saúde e os governadores a relaxar as medidas, mas a maioria tem ignorado os seus apelos.
Na semana passada, o Ministério da Saúde orientou governos locais a aliviar restrições, mantendo apenas grupos de risco no isolamento, se suas redes hospitalares não estiverem sobrecarregadas, com mais de 50% dos leitos ocupados por doentes da Covid-19. A maioria dos estados não fez mudanças.
Nas próximas semanas, os pesquisadores da USP pretendem analisar dados de operadoras de telefonia e empresas de tecnologia para avaliar os efeitos das políticas que restringiram a circulação das pessoas e tentar identificar áreas em que o cumprimento das medidas pode ter ficado aquém do desejado.
O grupo também pretende examinar o impacto das ações dos governos estaduais na evolução da doença. “As políticas de isolamento social são importantes para combater a epidemia, mas não são suficientes se o sistema de saúde não estiver preparado para tratar os doentes”, diz Lorena.
O grupo de monitoramento das medidas tomadas pelos governos estaduais no combate ao coronavírus faz parte da recém-formada Rede de Pesquisa Solidária, que reúne 36 pesquisadores de quatro instituições com o objetivo de estudar os efeitos das políticas públicas adotadas para conter a epidemia.
Integram a rede pesquisadores da USP, do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas de São Paulo e do NIC.br (Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR), braço executivo do Comitê Gestor da Internet no Brasil.
“A ideia é produzir informação que contribua para as decisões dos gestores na linha de frente do enfrentamento da epidemia”, diz o sociólogo Glauco Arbix, ex-presidente da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), do Ministério da Ciência e Tecnologia, e um dos coordenadores do grupo.
A rede pretende publicar boletins semanais com os resultados das pesquisas. Além do monitoramento das políticas de isolamento, o grupo planeja pesquisas de opinião em bairros pobres das grandes cidades e estudos sobre o impacto no mercado de trabalho e políticas de proteção social.