Coronavírus?

Por Nestor Roqueiro

Me deparei com este titular num jornal de circulação nacional: Coronavírus pode levar 500 milhões de pessoas para a pobreza. Mas poderia ter aparecido em qualquer meio de comunicação do mundo. Deste mundo onde a globalização beneficiou muito uns poucos e pouco a muitos. 

É claro que existe uma relação direta entre o coronavírus e a pobreza. A primeira é que os pobres vivem em casas menores, geralmente com poucos cômodos para muitas pessoas. Assim o isolamento de doentes é impraticável e a contaminação corre solta. Com todas as consequências para os moradores e os vizinhos, em geral tão pobres quanto.

Mas a relação à que se refere o artigo é a do salário, quando tem, com os efeitos de uma diminuição da atividade economicamente lucrativa. A relação é mais dramática quando a subsistência não depende do salário mas de biscates ou, no melhor dos casos de alguma atividade individual remunerada pela lei de oferta e demanda. Esta posta assim a relação entre coronavírus é pobreza.

O que não está explicitada é a relação entre a concentração do capital na mão de uns poucos, aqueles que mais se beneficiaram da globalização, e a pobreza de muitos. No sistema capitalista atual, que rege todas as transações e o direito à propriedade, com ênfase à propriedade do capital, o tênue equilíbrio que permite a subsistência da grande masa de seres humanos preservando o acúmulo de capital de uns poucos, é desestabilizada com qualquer interrupção da atividade economicamente lucrativa. Nesta oportunidade, o coronavírus fez este papel.

A crítica ao sistema de acumulação no capitalismo atual deveria ser o ponto central de combate à pobreza. Mas não, o que se coloca sobre a mesa é a retomada da atividade economicamente lucrativa como existia antes da pandemia focando na taxa de crescimento do PIB. Como distribuir a riqueza gerada está fora de cogitação, ou no máximo, está sendo considerada no curto prazo, para “passar pela crise”. Aqui temos que frisar que “crise” quer dizer crise do lucro, do acúmulo de capital, do equilíbrio que mantém os pobres alimentados minimamente.

Timidamente, em alguns lugares começa a se falar sobre renda mínima universal, algo que acredito ser apavorante para os defensores do neoliberalismo. Os resultados da atividade humana deveriam estar sendo discutidos, não a propriedade. Os benefícios do trabalho, todo tipo de trabalho e não só aquele que pode ser trocado por dinheiro, deveriam ser o ponto centrar para superar a pobreza, independente do coronavírus. Os princípios neoliberais no capitalismo e voga deveriam ser questionados. Mas não me iludo, dificilmente isto vai acontecer. Nem os milhares de mortos pelo coronavírus serão suficientes. Eles são rapidamente ensacados e enterrados, quase invisíveis a não ser por um número em uma tela de computador. E também serão rapidamente esquecidos, a menos dos parentes.

Enfim, imagino que o mundo depois da pandemia vai ser parecido ao que conhecíamos antes dela. Um pouco mais injusto, mas a culpa vai ser atribuída ao coronavírus.

Nestor Roqueiro é professor do Departamento de Automação e Sistemas – CTC

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