Medida entra em vigor imediatamente, mas precisa ser aprovada pelo Congresso em até 120 dias; empregador não precisará pagar salário enquanto contrato estiver suspenso
O presidente Jair Bolsonaro editou uma medida provisória, publicada em edição extra do “Diário Oficial da União” na noite de domingo (22), que permite que contratos de trabalho e salários sejam suspensos por até quatro meses durante o período de calamidade pública, que termina em 31 de dezembro. A suspensão depende exclusivamente de acordo entre patrão e empregado. Isso porque o texto abre a possibilidade para que as negociações sejam feitas sem qualquer participação dos sindicatos da categoria. Como se trata de uma medida provisória, o texto passa a valer imediatamente, mas ainda precisa ser aprovado pelo Congresso Nacional no prazo de até 120 dias para não perder a validade.
A Medida Provisória 927 estabelece que o empregador não precisará pagar salário no período de suspensão contratual, mas “poderá conceder ao empregado ajuda compensatória mensal” com valor negociado entre as partes. A suspensão de contratos deve ser feita de modo que, no período, se garanta a participação do trabalhador em curso ou programa de qualificação profissional não presencial oferecido pelo empregador ou alguma entidade. Embora o governo justifique a MP com a intenção de preservar empregos em tempos de coronavírus, o texto da Medida não traz nenhuma garantia de preservação dos empregos.
O presidente da Apufsc, Carlos Alberto Marques, observa que essa MP vai na contramão das iniciativas de outros países onde a proteção ao trabalho é prioridade. “Não vi nada parecido aplicado ao setor financeiro, ou seja, cortes de ganhos com a dúvida pública, ou dos lucros com recursos do Estado brasileiro. Como em 2008, quem perde serão os trabalhadores, quem não perde serão os ricos e banqueiros, sempre socorridos com a poupança e os impostos da maioria da população”, compara.
A MP também determina, entre outros pontos, que:
- a suspensão dos contratos não dependerá de acordo ou convenção coletiva, mas poderá ser feita em forma de acordo individual ou coletivo
- acordos individuais entre patrões e empregados estarão acima das leis trabalhistas ao longo do período de validade da MP para “garantir a permanência do vínculo empregatício”, desde que não seja descumprida a Constituição
- benefícios como plano de saúde deverão ser mantidos
- teletrabalho (trabalho à distância, como home office)
- regime especial de compensação de horas no futuro em caso de eventual interrupção da jornada de trabalho durante calamidade pública
- suspensão de férias para trabalhadores da área de saúde e de serviços considerados essenciais
- antecipação de férias individuais, com aviso ao trabalhador até 48 horas antes
- concessão de férias coletivas
- aproveitamento e antecipação de feriados
- suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho
- direcionamento do trabalhador para qualificação
- adiamento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS)
O site G1 listou algumas perguntas e respostas. Confira:
O empregado pode ser demitido após o período de suspensão?
A MP não deixa isso claro. Pelas regras da CLT, o trabalhador que tiver seu contrato de trabalho suspenso tem direito a uma estabilidade de ao menos três meses, sob pena de multa a ser paga pela empresa no valor do último salário do funcionário. O texto editado no domingo não fixa nenhuma regra para garantir que os empregos sejam mantidos após o período de suspensão.
O trabalhador pode ficar sem salário por quatro meses?
Sim. O texto da MP é claro ao dizer que o empregador “poderá conceder ao empregado ajuda compensatória mensal”. Ou seja, é uma opção da empresa pagar ou não algum tipo de auxílio no lugar do salário. Como não há interferência dos sindicatos na negociação, não há garantia de que funcionários terão poder de barganha para definir se e quanto será pago. Outra vantagem para as empresas é que o valor a ser pago não tem “natureza salarial”. Ou seja, é livre de contribuições que incidem sobre a folha, como recolhimento para o INSS e FGTS.
Haverá compensação das perdas de renda por parte do governo?
O Ministério da Economia prometeu que permitiria que trabalhadores atingidos pela suspensão de contrato teriam acesso a uma compensação, por meio da antecipação de parte do seguro-desemprego. Mas isso não está previsto na MP que foi publicada domingo. Segundo o governo, a previsão deve estar em uma nova medida provisória, ainda a ser publicada.
Governo ajuda a empresa e fragiliza o trabalhador
Em seu blog no jornal O Globo, a jornalista Míriam Leitão conclui que, com a MP, “o governo optou por acudir a empresa e não o trabalhador.” “O governo disse que será feito com base na livre negociação. Que liberdade terá o trabalhador diante dessa circunstância? Nenhuma. A tal ajuda a ser dada pelo empregador ficará a cargo da empresa estabelecer, evidentemente. E a empresa, como eu disse, ficará desobrigada de pagar os custos trabalhista”. A jornalista antecipa que a segunda Medida Provisória que será divulgada, talvez ainda hoje, sobre o assunto abrirá a possibilidade de suspender pura e simplesmente o contrato de trabalho.
Com informações de: O Globo, G1, Míriam Leitão