Desde o estabelecimento de uma rotina fixa até a inscrição de cursos online, especialistas dão sugestões
Aos 68 anos, Lucia Ungierowicz acostumou-se a uma rotina intensa: faz academia três vezes por semana, ajuda a cuidar da neta, é cinéfila e organiza jantares regulares com um grupo de amigos. Desde a última sexta-feira, no entanto, a aposentada segue a orientação de não sair do apartamento onde mora, em Copacabana, para reduzir o risco de contágio com o coronavírus. Assim como Lucia, vivem no estado do Rio de Janeiro cerca de três milhões de idosos, parcela da população que está mais vulnerável à doença. Para superar o isolamento social sem traumas, especialistas dão dicas que vão desde o estabelecimento de uma rotina até a inscrição em cursos online.
No caso de Lucia, que é bem antenada com a tecnologia, a solução foi aumentar a interação com os amigos através das redes sociais e explorar novas experiências na internet, como assistir a óperas e visitar museus virtualmente. Além disso, ela dispensou a empregada e assumiu os afazeres domésticos.
“Dei férias remuneradas à diarista e estou fazendo a arrumação, a faxina e passando roupa. Isso já é um exercício. Não posso ficar parada. Estou há uma semana trancafiada, recebendo muito raramente a visita do meu filho para me trazer algo quando não consigo por delivery. Realmente é uma situação lamentável, mas acho que vamos sair diferentes dessa pandemia. A humanidade vai aprender muita coisa”, diz Lucia, que além de ser idosa, tem pneumopatia e é imunodeprimida por ter retirado um tumor da medula em 2016.
O cenário é diferente para Lucia Sevalho, moradora de Botafogo. Aos 88 anos, ela já não sai muito de casa. Por causa do isolamento, não poderá receber visitas dos seis filhos e 16 netos, além de amigas, mas pretende matar as saudades com ligações e os vídeos que vê pela tela do celular.
“Já estou habituada a ficar sozinha na maior parte do tempo. Nesse momento, tenho sorte de ter uma neta que mora comigo há seis anos, mas como ela está trabalhando procuro ficar no meu canto assistindo televisão e falando ao telefone. Não poderei receber visitas, mas os vídeos eu tenho certeza de que vou receber em quantidade industrial, então vou continuar me divertindo com meus netos e bisnetos”, afirma.
Para ajudar os idosos a superar o isolamento social, o EXTRA reuniu oito dicas, a partir de conversas com a geriatra e psiquiatra Roberta França, a gerontóloga Carolina Ruiz e a psicóloga e diretora da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia Valmari Cristina Aranha.
Confira as dicas:
Fixar rotina
A rotina faz com que o idoso fique menos ansioso. Por isso, nem pensar em ficar de pijama o dia todo. Definir horários para as refeições, por exemplo, ajuda a manter a glicose estável, pois evita que o idoso fique “beliscando” ao longo de todo do dia. “Tanto na infância quanto na velhice, a rotina é extremamente importante porque norteia a parte cognitiva. É na rotina que você encontra metas e objetivos”, explica a gerontóloga Carolina Ruiz, que é diretora do espaço Avance Centro-Dia 60+.
Adaptar exercícios
Para os que estão acostumados a fazer exercícios em academias ou ao ar livre, o ideal é adaptar a atividade para dentro de casa, na medida do possível. “Quem costumava dar uma volta no quarteirão pode caminhar ao redor de casa, por exemplo. Quem faz musculação pode substituir os pesos por um quilo de açúcar ou um vidro de óleo. É o momento de usar e abusar da criatividade”, diz a psicóloga Valmari Cristina Aranha.
Afazeres domésticos
Os afazeres domésticas podem entrar no planejamento da rotina. Além das tarefas comuns do dia a dia, como lavar louça e varrer a casa, é um bom período para arrumar armários e organizar caixas de fotografias antigas, por exemplo. “Tudo aquilo que a gente reclama que nunca tem tempo de fazer, agora chegou a hora de fazer com calma. Em alguns casos, a pessoa pode acabar redescobrindo uma tarefa que gostava de executar e que nem lembrava mais por falta de tempo”, afirma a psicóloga.
Livros e filmes
Livros e filmes são boas distrações e ajudam a passar o tempo, mas a psiquiatra Roberta França alerta que os temas devem ser alegres. “É importante não assistir nada dramático ou apocalíptico. A última coisa que a gente precisa é assistir mais drama. Precisamos buscar coisas que minimizem a sensação de desconforto, medo, pânico. Buscar trazer para dentro de casa um clima de maior leveza possível”, diz a especialista.
Manter contato
O período de quarentena não é desculpa para o abandono. É fundamental que amigos e parentes mantenham a interação com ligações e, se possível, com o envio de fotos e vídeos. “É importante não confundir o afastamento com a ideia de abandono, senão a pessoa pode se sentir triste e preterida. O parente impedido de visitar pode oferecer um ato de amor e proteção por uma simples ligação, pelo telefone fixo, que seja”, diz Valmari.
Ambiente digital
Para os idosos mais antenados com a tecnologia, a internet oferece uma enorme gama de opções. É possível fazer desde visitas virtuais a museus até assistir a filmes, óperas e outros tipos de produtos audiovisuais. “Muitas plataformas digitais estão liberando o acesso a cursos online nesse momento. É também uma forma de incentivar o idoso a aprender a utilizar a internet e as redes sociais. São importantes ferramentas para minimizar o risco de depressão”, diz a psiquiatra.
Jogos antigos
Para os idosos que não têm aptidão para a tecnologia, uma boa pedida é que o acompanhante ou parente que more com ele recorre ao jogos antigos. “É possível criar momentos de descontração com jogos como baralho, dama, ludo e outros jogos de tabuleiro”, explica Roberta. Cuidar das plantas do jardim e criar uma horta também são atividades que, além de distrair, ajudam a fazer exercícios físicos.
Oferecer apoio
Alguns idosos são mais dependentes emocionalmente precisam contar com o apoio de filhos ou outros parentes com quem moram. “Para esses idosos, mudar a rotina e instituir algo novo é muito difícil. É o momento para a família se aproximar ainda mais, para que a socialização não se perca. É importante tentar entender a rotina do idoso de fora de casa e trazê-la para dentro de casa. Tentar minimamente manter um link com a rotina que o idoso tinha antes é fundamental”, diz a gerontóloga Carolina Ruiz.