Relatório, na prática, atende à demanda do Governo Federal e reduz “a quase zero” recursos disponíveis para a alimentação escolar
O substitutivo à PEC 15/2015, que cria o novo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), inviabiliza orçamentariamente o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), prejudicando a aprendizagem e a saúde dos estudantes.
É o que diz a nota técnica da Campanha Nacional pelo Direito à Educação que, entre outros pontos, critica o uso de recursos do Salário-Educação na complementação da União ao principal sistema de financiamento da educação básica pública, o Fundeb. Se isso for mantido, irá asfixiar o orçamento de programas complementares, conclui o texto. Entre esses programas, a redução mais drástica seria no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que é financiado por recursos do Salário-Educação.
“Haveria uma redução de 75% do total investido nos programas suplementares, com base nos R$ 8,5 bilhões investidos em 2019. Com isso, restaria apenas R$ 2,1 bilhões para todos os programas. Esse valor é quase metade do valor de R$ 3,98 bilhões utilizados em 2019 para custear o PNAE, por exemplo”, diz a nota técnica da Campanha, baseando-se em cálculos de documento produzido pela Fineduca (Associação Nacional de Pesquisadores em Financiamento da Educação).
“A questão é simples”, afirma Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. “Se a equipe econômica do Bolsonaro e o Rodrigo Maia impuseram à maioria da Comissão Especial do Fundeb uma visão equivocada de que não há qualquer forma de destinar recurso novo para a educação básica pública, sendo que eles exigem que a única alternativa para aumento da participação do Governo Federal no Fundeb é por meio da incorporação do Salário-Educação à complementação da União, pergunto – o que leva a uma pessoa sensata a acreditar que o governo Bolsonaro vai destinar recursos para alimentação escolar para além do Salário-Educação, que vai ser incorporado ao Fundeb? Eles já disseram e repetiram que, para eles, não há recurso novo disponível. O Congresso Nacional está sendo levado a cometer um erro histórico, prejudicando a alimentação das crianças, adolescentes e jovens que estudam. Perceba, não é só uma questão de educação, é também de saúde pública e até de sobrevivência”.
A nota técnica da Campanha diz que inserir o Salário-Educação na complementação da União ao Fundeb, mesmo que seja só a parte da Cota Federal, “significa não só uma redução drástica de aporte de recursos novos na complementação da União, como também resulta na redução a quase zero dos recursos para a alimentação escolar de todos os estudantes das escolas públicas brasileiras.”
A nota da Campanha ressalta que “o Salário-Educação nunca compôs a complementação da União nos mais de vinte anos de política de fundos” e que a função primordial de abastecer com recursos o PNAE será perdida por não atender, da mesma forma, “muitos estudantes das escolas públicas brasileiras que têm nas unidades escolares suas principais refeições, quando não as únicas”.
Conforme mostrado na nota técnica da Fineduca e no mais recente posicionamento público da Campanha, no melhor dos cenários, o suposto percentual de 20% de complementação da União ao Fundeb é artificial, exatamente porque permite uso dos recursos do Salário-Educação. No melhor dos cenários testados pela Fineduca, o valor real seria de 15,8%. No pior dos cenários, o valor real seria de 11,6%. Ambos distantes dos 20% anunciados. Dessa forma, aponta a nota técnica da Campanha, o substitutivo acaba, na prática, atendendo “à demanda da área econômica do Governo Federal de aumentar a complementação da União ao Fundeb a apenas 15%.”
Juridicamente inverídico
O texto do substitutivo apresentado pela deputada Profa. Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO), em seu artigo 11, dispõe que está “assegurada a manutenção pela União dos programas suplementares”. Embora seja uma tentativa, é inválida. A nota técnica da Campanha explica que “isto não é juridicamente verdadeiro”, pois “expressamente prevê a possibilidade de que os recursos oriundos da arrecadação do Salário-Educação sejam destinados a outra finalidade”. Esta é uma “redação que permite que a União desonere-se desta tarefa ante a manutenção de algum programa suplementar ou algum volume de recursos”.
Redigido como está, o artigo 11, segundo a nota técnica, “abre caminho jurídico para uma desconstrução de uma técnica federativa” que assegura o cumprimento dos programas suplementares “justamente porque separa os recursos por regras distintas de operação contábil”, característica que a Constituição Federal de 1988 “blindou constitucionalmente”.
“Por sua vez, os efeitos da quebra da garantia constitucional provocada pelo artigo 11 do Substitutivo à PEC 15/2015, se estendem potencialmente a Estados e Municípios e não são as regras de redistribuição, do parágrafo 6º do art. 212, que seguram este processo. Entenda-se: o artigo 11 muda o regime estabelecido no parágrafo 5º do artigo 212 da Constituição, ou seja, retira do Salário-Educação sua natureza jurídica constitucionalizada de recurso adicional, que é o que garante sua operação destacada e sua destinação aos programas suplementares. Isso desmonta a proteção constitucional que impede a alteração da legislação ordinária, uma vez que são infraconstitucionais os próprios percentuais atuais de redistribuição em contas estaduais e municipais do Salário-Educação”, destaca a nota.
A nota técnica da Campanha acrescenta que este movimento de “descentralização total de receitas do Salário-Educação” se alinha ao desmonte dos programas federais financiados e implementados pelo FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), objetivo declarado do Governo Federal, já em debate no Congresso Nacional, nas PECs do “novo Pacto Federativo” (PEC 188/2019) e de “extinção dos fundos infraconstitucionais” (PEC 187/2019).
CAQi-CAQ
A nota técnica também propõe mudanças na redação para corrigir pontos imprescindíveis para a constitucionalização do sistema CAQi-CAQ (Custo Aluno-Qualidade Inicial e Custo Aluno-Qualidade), mecanismo que calcula padrões de qualidade para as escolas. A nota recomenda remover uso da temerária expressão “condições indispensáveis de oferta” presente no artigo 5º do substitutivo, que pode configurar apenas a determinação de que as escolas públicas podem funcionar com o irrisório: lousa, giz e professor, por exemplo. O relatório ignora conceitos da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) e também o convencionado por estratégias do Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/2014).
Complementação e desempenho
A Campanha mantém na nota sua posição conhecida de que o percentual de complementação da União no Fundeb deve ser de 40% por conseguir elevar quase que em dobro o número de matrículas cobertas e ser o cenário em que há maior redução das desigualdades entre o maior e menor valor por aluno.
A nota técnica também propõe uma nova regra de transição, com, por exemplo, o uso de 4% da complementação para novas condicionalidades (“inclusão, valorização do magistério, e melhoria da aprendizagem com redução das desigualdades em todas as etapas e modalidades nos termos do sistema nacional de avaliação da educação básica”) para evitar a ampliação das desigualdades educacionais vindas do prejudicial sistema de transferência de recursos por desempenho das redes, presente no texto de substitutivo.
Para este mesmo fim, a nota também demanda o “aperfeiçoamento do critério de repartição do ICMS”, colocando parte do percentual do imposto com base em “progresso em indicadores educacionais relativos ao Plano Nacional de Educação”.
Leia na íntegra: Campanha Nacional pelo Direito à Educação