Reitores temem ações judiciais, pois dizem que medidas ferem direitos dos professores e funcionários
O Ministério da Educação (MEC) enviou um documento às universidades no início do mês em que informa que o orçamento aprovado este ano para o pagamento de salários ficou abaixo do que o governo calculava ser necessário para as despesas – estimadas no mesmo valor gasto em 2019. A previsão era de que o gasto fosse de R$ 74,6 bilhões, mas o Congresso só aprovou R$ 71,9 bilhões – R$ 2,7 bilhões a menos. Por isso, o texto diz que é responsabilidade das instituições de ensino “abster-se de promover atos que aumentem as despesas com pessoal”.
Isso pode levar algumas universidades e institutos federais do País a não pagarem aos professores horas extras, adicional noturno e até aumento de salário por progressão na carreira – ou qualquer ato que resulte no aumento de despesas com servidores ativos e aposentados. Os reitores afirmam que a determinação atinge diretamente as atividades de ensino e pesquisa e pode levar a uma série de ações judiciais, pois fere direitos dos professores e funcionários.
Sem orçamento, elas não podem pagar gratificações, por exemplo, a professores que obtenham um novo título acadêmico, como o de doutorado. Também ficam impedidas de substituir um docente que se afaste por motivos médicos, pois ele continua na folha de pagamentos como inativo.
A decisão fez com que algumas instituições, como a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e o Instituto Federal de São Paulo (IFSP), informassem que vão suspender por tempo indeterminado o pagamento de adicional noturno, horas extras, substituição de chefias, promoções, retribuição por titulação, entre outros. As instituições afirmam que, pela determinação do MEC, também não podem contratar professor substituto nos casos de aposentadoria ou licença.
Além do impacto no funcionamento das atividades, uma vez que podem ter de interromper serviços e ficar sem professores, as universidades dizem que não podem suspender pagamentos porque são direitos garantidos. O receio fez com que os reitores solicitassem audiência com o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), José Múcio Monteiro, para pedir orientações.
“Nós seguimos leis que preveem as progressões de carreira, aposentadorias, direitos de hora extra, adicional de insalubridade. Não é uma decisão do reitor pagar ou não pagar. A folha de pagamentos sempre teve a sua gestão sob responsabilidade do Ministério do Planejamento e, agora com a restrição orçamentária, repassam para as universidades como se fosse uma decisão”, explica Franklin Matos, coordenador do Fórum de Pró-reitores de Planejamento e Administração (Forplad).
Regra de ouro
Ele explica que, em todos os últimos anos, o orçamento aprovado para o pagamento de servidores ficou abaixo do previsto, mas o Ministério da Economia sempre conseguiu aprovar suplementação orçamentária. Neste ano, no entanto, a diferença é que a suplementação só poderá ocorrer com o aval do Congresso, de forma a “quebrar” uma norma batizada de regra de ouro.
Essa regra, criada para garantir a saúde das contas públicas, impede a contratação por parte do Executivo de empréstimos para pagar despesas correntes, como salários. O governo pressiona pela aprovação de mudanças nessa lei, uma vez que aposta na quebra da regra para reequilibrar as contas públicas. Entre as mudanças previstas na proposta do governo estão a permissão da redução de jornada de trabalho e do salário de servidores públicos e até mesmo a demissão de concursados que ainda não têm estabilidade.
Procurado, o Ministério da Economia disse que, com o “orçamento descentralizado”, quem deve se manifestar sobre o assunto é o MEC. O Ministério da Educação, por sua vez, disse trabalhar para “ajustar, o mais breve possível, as dotações de modo a atender todas as projeções”. Informou ainda que parte do orçamento com pessoal depende de aprovação legislativa para a utilização.
A Andifes (associação dos dirigentes de institutos federais) publicou uma carta com orientações aos reitores. Confira a seguir:
Colegas reitores e reitoras,
Como é de conhecimento geral, estamos vivendo em 2020 uma situação inusitada na dotação e na execução orçamentária, especialmente nas despesas de pessoal. No último Conselho Pleno da Andifes, tivemos a oportunidade de debater amplamente o novo quadro.
Quanto ao mérito, nossos debates foram inconclusivos. A diversidade de procedimentos implementados pelas ifes na apropriação da folha de fevereiro foi, afinal, coerente com a diversidade de realidades e de interpretações legais.
Tiramos, então, como orientação o cuidado de garantir os direitos legais dos servidores, a autonomia universitária e também mirar salvaguardas que evitem questionamentos e glosas das decisões dos gestores. Portanto não há, até o momento, uma decisão da Andifes.
Quanto aos encaminhamento, decidimos algumas ações, que ora estão em andamento:
- Consultar as procuradorias das universidades bem com as pro-reitorias;
- Buscar esclarecimentos técnicos no governo;
- Demandar uma análise por parte da assessoria jurídica da Andifes;
- Intensificar nossa ação junto ao Parlamento;
- Realizar oportunamente uma coletiva de imprensa sobre o tema;
- Solicitar uma audiência com a presidência do TCU.
Com efeito, hoje, 17/02/2020, estivemos em audiência com o presidente do TCU e vários assessores. O advogado da Andifes também participou.
A complexidade e o caráter inusitado da situação foi posição unânime. Não há inovação legal; porém, existe alerta do MEC sobre decisões que, anos a fio e até o momento, eram pura e simplesmente rotineiras.
Fomos, então, orientados a formular uma representação ao TCU com as questões relevantes. Por exemplo, quais as contradições legais que afligem os dirigentes das ifes e quais as implicações derivadas a depender de qual decisão for implementada?
Estamos formulando a Representação, que também será encaminhada aos Poderes Executivo e Legislativo. Além disso, estamos em contato com as lideranças das entidades para compartilhar informações atualizadas, e também para dar seguimento às demais ações por nós acordadas.
Brasília, 17 de fevereiro de 2020.
Diretoria da Andifes
Fonte: Estadão