Governo quer acabar com fundo para abater dívida pública; entidades científicas defenderam FNDCT no Congresso
Principal fonte de financiamento da infraestrutura e das atividades de pesquisa científica e tecnológica e da inovação no País, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia (FNDCT) poderá desaparecer se o Congresso aprovar a proposta do Executivo de Emenda à Constituição da Desvinculação dos Fundos (PEC 187/2019), alertou o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu de Castro Moreira.
“Se isso ocorrer, o Brasil verá sucateados seus principais laboratórios de pesquisa e, inclusive, perder pesquisadores para outros países. Isto terá também um efeito avassalador sobre o CNPq, que depende dos recursos do FNDCT para suas atividades de fomento (em mais de dois terços)”, afirmou Moreira, durante audiência pública da CCJ, realizada no Senado nesta terça-feira (11), para discutir o tema.
A audiência reuniu senadores, economistas, representantes de fundos, pesquisadores e empresários na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Além do FNDCT, foi discutido o destino de outros fundos públicos, como os do Audiovisual e da Segurança Pública.
Em sua exposição, o presidente da SBPC mostrou que o FNDCT tem tido um papel crucial para a CT&I, desde a década de 1970, tendo apoiado inúmeros projetos que vão da agricultura (por exemplo, em projetos de apoio à Embrapa) à construção de mais de metade dos grandes equipamentos científicos do País (como o Sirius), passando por projetos de alta tecnologia e com alto retorno econômico, como a exploração do petróleo do Pré-Sal, e por importantes desenvolvimentos na área da defesa (como projetos de aviões e navios de pesquisa da Marinha). “A construção dos 24 parques tecnológicos brasileiros e o surgimento de muitas startups dependeram fundamentalmente de recursos do FNDCT, assim como o apoio a milhares de iniciativas de inovação em pequenas e médias empresas, via subvenção econômica. Uma descontinuidade absoluta neste processo, que já está acontecendo em escala significativa pelo enorme contingenciamento atual nos recursos do FNDCT, seria catastrófica para a área de ciência, tecnologia e inovação”, acrescentou.
Moreira, em nome da SBPC, mas também de mais de uma centena de entidades científicas brasileiras, entre as quais a ABC, Confap e Andifes, defendeu não só a manutenção do FNDCT e dos Fundos Setoriais, mas também a extinção de Reserva de Contingência, que neste ano está congelando 88% dos recursos do FNCDT (da ordem de 5 bilhões), permitindo a liberação de apenas R$ 600 milhões para a Finep, que é a secretaria executiva do fundo.
A mesma posição contrária à extinção do FNDCT foi defendida pela diretora de inovação da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Gianna Sagazio, que também é coordenadora da Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI), e por alguns senadores presentes à audiência. Ela informou que o Brasil já perdeu 19 posições no Índice Global de Inovação na última década (ranking que envolve 129 países), Sagazio reiterou a necessidade de aumentar os investimentos em pesquisa e desenvolvimento.
“Os recursos do FNDCT foram fundamentais para estruturar os principais parques tecnológicos, instalar incubadoras de empresas e núcleos de inovações tecnológicas”, destacou a executiva da CNI e reiterou: “fundos como o FNDCT devam ser melhorados, jamais extintos”.
“Se aprovarmos a Emenda Constitucional e não tivermos um remédio contemporâneo, a ciência vai para o limbo. Que é pior que o inferno!”, frisou o senador Espiridião Amim (PP-SC), referindo-se à possibilidade de extinção do fundo. O senador Arolde Oliveira (PSD-RJ) defendeu a manutenção da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), que apoia financeiramente projetos de elaboração de tecnologia, inovação e P&D (pesquisa e desenvolvimento) através do gerenciamento dos recursos do FNDCT. “Conheço o trabalho da Finep, sempre foi muito importante para o setor tecnológico, é uma janela de oportunidade (de desenvolvimento) que não podemos perder”, disse Oliveira.
O representante do Ministério da Economia na audiência, o secretário especial de Fazenda, Geraldo Julião Junior, afirmou que as prioridades de investimento dos fundos públicos “foram dadas no passado e engessaram de tal forma o uso dos recursos que hoje é quase impossível o Estado decidir priorizar setores”. Disse ainda que a flexibilização dos recursos seria aproveitada para abater a dívida pública. No entanto, como destacou Ildeu Moreira, ao contrário do que foi alegado, a prioridade determinada na época da constituição do fundo segue “absolutamente atual e crucial para o País”. “A sua extinção afeta, inclusive, o cumprimento do Art, 218 da Constituição Federal que diz, em seu artigo 1º, que pesquisa científica básica e tecnológica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso da ciência, tecnologia e inovação”, acrescentou.
A manifestação de Julião foi a única a defender integralmente a posição do governo. Na parte da tarde, o representante do Ministério da Ciência e Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), o diretor do Departamento de Estruturas de Custeio e Financiamento de Projetos, Marcelo Gomes Meirelles, defendeu a manutenção do FNDCT: “É um instrumento essencial para o Brasil, para a ciência e pesquisa nacionais e para os investimentos em ciência e tecnologia”, afirmou Meirelles, acrescentando que o fundo dá previsibilidade e estabilidade de investimentos necessários para planejamentos de longo prazo no setor.
O diretor do MCTIC afirmou ainda que o fundo evita o “êxodo de cérebros”, pois os cientistas nacionais têm a certeza que terão apoio para fazer pesquisa científica objetivando aproveitar o potencial econômico do Brasil para melhorar a qualidade de vida da população.
Entre os economistas, Felipe Salto, diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), afirmou que a PEC pode ter um efeito fiscal importante pela desvinculação de recursos atrelados a despesas obrigatórias, porém deixou claro que esse efeito não reduz a dívida pública. José Luís da Costa Oreiro, professor da Universidade de Brasília, foi o mais crítico ao declarar que a PEC 187 é “o caminho da barbárie”. Ao destruir a institucionalidade vigente, disse Oreio, a proposta não estabelece qualquer parâmetro para modernizar e aperfeiçoar os mecanismos de gestão orçamentária e financeira. “A simples desvinculação de receitas e despesas não abre espaço fiscal no Orçamento da União, estados e municípios”, declarou.
Para Ildeu Moreira, a colocação dos economistas deixou claro que a vinculação entre extinção dos fundos e transferência dos recursos para abater a dívida pública não é direta, nem acontecerá a curto e médio prazo. “Diversos desses fundos podem e devem ser revistos cuidadosamente, alguns dos quais não têm mais sentido, ou se imaginava que teriam certo desempenho e não tiveram; portanto é legítimo que o Congresso refaça, recrie, modifique, porque é seu papel. O que não se pode é extinguir vários fundos que são muito importantes para o País, como é o caso do FNDCT, que é um esteio da ciência brasileira há décadas”, ressaltou o presidente da SBPC.
Moreira lembrou que a CT&I, com sua prioridade inscrita na Constituição, obteve importante manifestação de apoio do Congresso no ano passado, em carta assinada por 18 lideranças partidárias, inclusive o presidente da Câmara, citando especificamente o FNDCT. “O próprio presidente da República, em carta resposta à SBPC e à ABC, se comprometeu, quando ainda candidato, não só a ‘destravar’ o FNDCT, mas também aumentar os recursos que o investimento em P&D alcançasse 3% do PIB”, recordou. “A extinção do FNDCT, bem como o seu contingenciamento expressivo, vai em direção inteiramente contrária a isto”, concluiu.
Fonte: Jornal da Ciência