Indignadas com a agressividade do discurso governista, categorias organizam ações judiciais contra o ministro Paulo Guedes, mobilizações nas ruas e campanha para valorizar serviço público
Os servidores já foram chamados de marajás, preguiçosos, incompetentes, improdutivos, elites, corporativistas, sangues-azuis e, agora, de “parasitas”. Todos os termos causaram indignação e revolta. Mas o último qualificativo, além do repúdio generalizado, teve o poder de aglutinar as diferentes categorias do serviço público que estavam, aparentemente, sem projeto definido para enfrentar o ímpeto governista na reforma administrativa.
De acordo com técnicos do próprio governo,
Paulo Guedes, ao ofender o funcionalismo e criticar com veemência reajuste
anual de salários, privilégios e aposentadorias generosas, criou um clima de
terra arrasada e derrubou todo o trabalho de divulgação que vem sendo levado a
cabo. O governo já estava com uma campanha publicitária praticamente pronta
para vender de forma efusiva a reforma na administração pública.
A propaganda iria justamente abordar pontos como a
dificuldade do governo em investir em áreas prioritárias, a exemplo da saúde,
educação e segurança, porque a maioria dos recursos públicos está comprometida
com pessoal e custeio. Mas a mensagem seria divulgada de forma cuidadosa, com
um inteligente encadeamento. A ideia era argumentar que o servidor custa na
entrada e na saída, porque se aposenta e continua bancado pelo contribuinte por
mais 20 ou 30 anos. Mas essa despesa obrigatória existe somente porque a lei
permite. É legal, mas é imoral. Portanto, a sociedade precisa ajudar, com
urgência, diante da necessidade de ajuste fiscal, a mudar a lei — com as
reformas — para acabar com a farra de pessoas que trabalham pouco e dão quase
nenhum retorno à população.
“Esse discurso vem desde a campanha presidencial. Foi sendo
consolidado, com o apoio da população, de forma coordenada, por vários
ocupantes de cargos relevantes. Nada foi por acaso. Assim como na reforma da
Previdência, a retórica foi ganhando corações e mentes. Os servidores, tenho
certeza, já estavam quase absorvendo a possível derrota. Mas, agora, estragou
tudo”, lamentou um técnico do governo. Na sexta-feira, poucas horas após a
palestra de Paulo Guedes, na Escola Brasileira de Economia e Finanças da
Fundação Getulio Vargas (FGV), no Rio, uma enxurrada de notas de repúdio de
entidades sindicais tomou conta do país.
Apesar da interpretação pessimista dos
auxiliares próximos a Paulo Guedes, há controvérsias sobre os possíveis efeitos
negativos da provocação. Pode parecer gratuita, mas não é. “Lembrei de Fernando
Henrique Cardoso, quando chamou os aposentados de “vagabundos”. Ambos (FHC e
Guedes) foram grosseiros na tentativa de chamar a atenção da sociedade para
privilégios de determinados setores do funcionalismo público”, recordou o
economista e especialista em contas públicas Gil Castello Branco,
secretário-geral da Associação Contas Abertas. Ele acha difícil cravar, em tão
pouco tempo, o que vai acontecer. “Creio que o governo acha, sim, que esses
termos fortes auxiliam. Assim como os servidores se preparam para pressionar os
parlamentares, em ano de eleição, a sociedade pode despertar e começar a fazer
o mesmo”, avaliou.
“A generalização, em ambos os casos (Guedes e FHC), é
totalmente descabida. Há ilhas de excelência na administração pública. Tirando
meia dúzia de servidores que o ministro trouxe da iniciativa privada, os
principais assessores de Guedes são servidores públicos de carreira, altamente
capacitados”, justificou.
A reação dos servidores, no entanto, foi maior que a esperada. Tanto o Fórum Nacional das Carreiras de Estado (Fonacate), que representa os funcionários públicos do topo da pirâmide remuneratória, quanto a Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), com 80% dos servidores da base associados, consultaram seus departamentos jurídicos e ameaçam entrar com ações na Justiça ou acionar a Comissão de Ética no serviço público.
“Eu perco meu emprego, você perde o serviço público gratuito”
A tônica das notas de repúdio deixa claro que os protestos vão
crescer. “Na próxima semana, a mobilização dos servidores deve ganhar força com
o lançamento da campanha salarial unificada, no dia 11. Um ato em frente ao
Ministério da Economia marca a entrega oficial da pauta de reivindicações dos
federais das três esferas. As entidades reunidas nos fóruns conjuntos enviaram
um pedido de audiência ao ministro Paulo Guedes que nunca recebeu oficialmente
as categorias. No dia 12, a Condsef/Fenadsef participa de debate convocado pela
Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Serviços Públicos, na Câmara. Uma
plenária nacional dos federais também vai avaliar o cenário e definir novas
ações”, dizem as entidades.
Vladimir Nepomuceno, ex-diretor de Relações do Trabalho do Ministério do
Planejamento e consultor de entidades sindicais, conta que as estratégias dos
servidores estão se consolidando. O lema da campanha para enfrentar a
propaganda oficial é “Eu perco meu emprego, você perde o serviço público
gratuito”. Segundo ele, para chegar à população, não adianta defender carreiras
isoladas. “Temos que focar em quem precisa. Falar com o usuário que essa
política que aí está não pensa em melhorar o serviço público e, sim, em acabar.
Ele vai ficar sem hospitais, escolas e segurança. É bom lembrar que as vacinas
e as campanhas de medicamentos são desenvolvidas e distribuídas por servidores.
Só há uma saída: investir no serviço público”, defende Nepomuceno.
No país, há 12 milhões de servidores (estaduais, municipais e federais) e há
leis que permitem a dispensa deles, reitera Nepomuceno. “Quase 60% da população
não tem nem sequer o ensino médio, muito menos dinheiro para pagar plano de
saúde. A nossa proposta não é somente sentar e conversar. É ir a feiras,
lideranças comunitárias, postos de saúde, pontos de ônibus, hospitais e
conscientizar os desempregados, sem deixar de pedir ajuda à classe média, aos
formadores de opinião”, reforça o assessor.
Mauro Silva, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita
Federal (Unafisco Nacional), admite que a missão vai ser difícil. “No passado,
as campanhas dos nazistas também demonizavam os judeus. Não é novidade. A
estratégia está sendo copiada”, afirma. Para ele, o clima de ódio no Brasil não
deixa dúvidas de que o país “está sobre um barril de pólvora; a dúvida é quem
vai incendiar primeiro”. “Hoje, vivemos um ambiente dominado por forças que
tendem para os extremos”, observa. “Há uma dificuldade real em abrir esses
olhos. Quem sabe se, em 18 de março (Dia Nacional de Paralisação), a gente não
consiga encher a Esplanada?”, espera o dirigente.
Rudinei Marques, presidente do Fonacate, conta que a intenção é continuar com a
estratégia de apresentar estudos técnicos. Um deles já foi divulgado, e tratava
das especificidades dos serviços federais. E outro será apresentado na semana
que vem, com detalhes sobre estados e municípios. “São dados que vão servir de
contraponto ao discurso oficial raivoso, ofensivo e equivocado”, afirmou. Um
dos focos é o combate à ideia do governo de cortar 25% da jornada e da
remuneração. “Vamos perder um quarto do tempo e da mão de obra. Isso tem que
ficar claro já que não temos os R$ 200 milhões que o Executivo, desde a gestão
de Michel Temer, gastou em propaganda”, diz Marques.
PF adere a protestos
A diretoria da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) engrossou neste sábado (8/2) as manifestações contra as declarações do ministro da Economia, Paulo Guedes, que comparou funcionários públicos a parasitas ao ressaltar o alto peso da folha de pagamento do funcionalismo no orçamento. Nota da entidade sustenta que “as afirmações de Guedes consagram um discurso perigoso e generalizante, que em nada contribui para o fortalecimento de uma nação e sua economia, como ele mesmo anuncia em suas propostas”.