Por Wilson Gomes
Em um país de tão poucos consensos, unanimidades são raras. Por isso mesmo impressiona uma concordância tão firme, proveniente dos mais diversos lados, sobre as características pessoas e profissionais do ministro da Educação do governo Bolsonaro, Abraham Weintraub. A lista dos disparates, absurdos e coisas republicanamente inaceitáveis ditos ou feitos pelo titular da Educação é de estarrecer. Em apenas 10 meses no cargo, tantas aberrações já praticou o moço que não de raro consegue se destacar mesmo no insuperável conjunto dos feios, sujos e malvados do Governo Federal. Convenhamos que você ser notado, no quesito desastres verbais, incapacidade de gestão e falta de decoro, em um governo que já tem Ricardo Salles (Meio Ambiente), Damares Alves (Mulheres, Família e Direitos Humanos), Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Augusto Heleno (Segurança Institucional), além do recém-eliminado Roberto Alvim (Secretaria Especial da Cultura), e o próprio Chefe do Executivo e seus filhinhos co-presidentes, é uma proeza e tanto. Mas Weintraub é incansável na arte de passar vergonha, meter-se em confusões, colocar os pés pelas mãos, perseguir, atacar e insultar.
Mas parece, enfim, que a tolerância de todo mundo se esgotou com o sujeito que deveria ser ministro de uma das pastas mais importantes para o futuro do país, mas se comporta como, ao mesmo tempo, profeta e capanga do bolsonarismo, passando por cima de tudo e de todos, atropelando princípios e regras de boa educação. Até mesmo o site o Antagonista, a organização de defesa do bolsonarismo mais parecida com jornalismo, perdeu a paciência e decretou esta semana: “Deve existir um sujeito de direita mais centrado e preparado para exercer a função de ministro da Educação”.
Até chegar a este ponto, foram 10 meses de manifestações de pessoas chocadas. No final ano passado, a jornalista Miriam Leitão já havia chamado Weintraub de “o pior ministro da Educação que o país já teve”. Antes disso, o ministro já havia se metido em uma briga com Fernando Henrique Cardoso, que ele “polidamente” comparou com a AIDS. O PSDB retribuiu a gentileza e publicou que o atual número um do MEC era uma “doença terminal da Educação no Brasil”.
Para ficarmos nas duas últimas semanas, tivemos de tudo. Começou com o ministro se tornando piada nos ambientes digitais por ter escrito “imprecionante” em um post no Twitter, em um dos muitos erros grosseiros de ortografia que ele costuma cometer. Depois, tivemos os registros das vulgaridades e obscenidades que o ministro costuma dizer nas brigas em que se envolve com seguidores em mídias digitais. Falo de coisa muito adultas como dizer a uma menina que o criticava que a mãe dela era uma “égua sarnenta e desdentada”. Ou ter práticas republicanas como xingar um detrator e, ao mesmo tempo, dizer a um pai bolsonarista e antipetista, pelo Twitter, que determinou pessoalmente uma nova análise da prova do Enem da filha deste. Tudo isso à vista de todos.
E ainda tivemos os ataques contra os analistas políticos da mídia. Sobre Reinaldo Azevedo, da BandNews, ele repassou de forma entusiasmada, uma fake news que dava conta da demissão do comentarista. Falso. Sobre Marco Antonio Villa, comentarista da Jovem Pan e colunista de Istoé, publicou não um, mas dois vídeos em que Villa é acusado do supremo crime de ter mau hálito. O que mais se poderia esperar de um Ministro da Educação, não é mesmo?
Por fim, o acúmulo de erros gravíssimos no Enem parece ter fornecido o que faltava para colar definitivamente a pecha de incompetente em Weintraub. Até então, era claro tratar-se de um louco fanático, um incansável pregador da doutrina da sua seita, um anti-intelectual e inimigo das universidades e dos professores, um ignorante e tosco, mas a sua incompetência só se exibiu plenamente ante sua incapacidade de conduzir um exame tão crucial para o país e em que todas as famílias prestam muita atenção. Como disse Reinaldo Azevedo, “a primeira edição do exame sob o seu comando conseguiu destruir o que se se construiu ao longo de 21 anos: a confiança no resultado, de sorte que funcionários do próprio MEC dizem — sob anonimato, claro! — ser impossível assegurar que o resultado colhido é 100% confiável…”. Um desastre de grandes proporções.
Para coroar o seu desempenho semanal, o fiasco do Enem levou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a declarar que Weintraub “atrapalha o futuro das nossas crianças. Está comprometendo o futuro de gerações a cada ano que se perde com a ineficiência, o discurso ideológico e péssima qualidade na administração. Ele acaba prejudicando os anos seguintes da nossa sociedade”.
O homem é um estorvo, em suma. Mas será dispensado pelo patrão?
Ora, Weintraub é incompetente, incapaz e estúpido. Em qualquer lugar do mundo, apenas uma dessas características bastaria para que fosse demitido, mas aqui não. Se todos os incapazes e burros fossem demitidos do governo, sobrariam bem poucos do primeiro escalão amanhã, a começar do presidente. Como se previa, para além do filtro ideológico altamente rigoroso, não há filas das melhores mentes do Brasil para trabalhar para este governo. Estão lidando com o que têm, por isso é um governo que combina fanatismo proselitista com doses cavalares de estupidez e ignorância.
Weintraub, como era de se esperar, é ignorante, inculto e mal-educado. Essas seriam boas razões para ser posto na rua. No governo Bolsonaro, não. Se o próprio presidente e os seus filhos são obtusos e abrutalhados, como poderia ser este um critério para demitir ministros? E em um governo em que se tem pavor de intelectuais, de cientistas e de pensamento independente, como se poderia recrutar diferentemente que vem a fazer parte dele?
Weintraub, por fim, não tem a menor noção de decoro ou de comportamento republicano, nem tem a mínima noção do alcance e funcionamento do Ministério que dirige, mas se isso não foi entrave para contratá-lo, por que seria razão para demiti-lo? E o presidente da República não é exatamente assim? Weintraub foi contratado para o cargo por ser fiel a Bolsonaro e ao bolsonarismo, e por que se dedica devotamente a converter os descrentes e a tornar infernal a vida dos infiéis. Noções de republicanismo, decoro, decência, liturgia e competência em gestão não faziam parte dos requisitos para a função. Afinal, se nem de Bolsonaro os eleitores exigiram isto, por que se haveria de exigir tal coisa dos ministros do governo?
Em suma, Weintraub não será demitido vez que o que consideramos os seus principais defeitos são as mesmas características do presidente da República que o contratou: incompetente, ignorante, sem noção do que está fazendo ali e de como funciona um país, bruto, mal-educado, perdido. Similis cum similibus congregantur, diria Cícero. Cada um se junta com os seus semelhantes, digo eu.
É doutor em Filosofia, professor titular da Faculdade de Comunicação da UFBA e autor de A democracia no mundo digital: história, problemas e temas (Edições Sesc SP)
Artigo publicado no site da CULT