Reitores e especialistas em ensino superior se reuniram na SBPC para discutir o programa do MEC
A nova versão do programa Future-se segue com os mesmos problemas das anteriores, tanto em relação à autonomia de gestão quanto à forma de financiamento, e o que traz de novidade não é claro sobre suas vantagens e riscos. A conclusão é de um grupo de 14 reitores, ex-ministros e especialistas em ensino superior que se reuniram na semana passada na sede da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) para analisar o projeto do MEC. O texto reformulado foi colocado sob consulta pública em dezembro e recebeu sugestões até o dia 24 de janeiro.
O programa lançado pelo governo em julho de 2019 tem como pilar a autonomia financeira das universidades, através do fomento à captação de recursos próprios para a pesquisa, o empreendedorismo e a internacionalização. As instituições participantes do programa poderão ter acesso a recursos de fundos constitucionais, leis de incentivos fiscais, microcrédito produtivo orientado e fundos patrimoniais.
O grupo decidiu esperar o projeto chegar ao Congresso para dar início a uma mobilização política, afirmou Carlos Alexandre Netto, ex-reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), conselheiro e coordenador da Comissão de Ensino Superior da SBPC.
Teto de gastos
Entre os problemas apontados na versão do projeto que estava em consulta pública, destaca-se a proposta de desburocratizar a captação e uso de recursos próprios. Segundo Alexandre Netto, a proposta ignora que o problema hoje não é a falta de projetos de captação, mas sim o teto de gastos (EC95/2016) que limita o orçamento das universidades aos valores de 2017, por 20 anos. Ele lembra que já existe uma proposta de legislação na Câmara, liberando as universidades para utilizar os recursos adicionais, não é necessário um novo projeto de lei.
O Future-se prevê a criação de fundos patrimoniais como uma fonte adicional de recursos para o financiamento das atividades de ciência, tecnologia, empreendedorismo e inovação. Para o conselheiro da SBPC, estes fundos, criados por lei no ano passado, podem até ser um instrumento interessante para as universidades, o problema é que não há qualquer garantia de que eles funcionem dado que até hoje não foi testado por nenhuma instituição.
“O que nos parece é que, na realidade, essa proposta marca posição do Ministério da Educação de diminuir a participação do Estado no financiamento da educação superior, o que é uma questão muito delicada”. Outro participante da reunião, o ex-ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, reforça a crítica, dizendo que não está claro se a intenção do Future-se é acrescentar novas receitas ou substituir o compromisso do governo no financiamento da educação pelo mercado. “Isso é complicado, você não pode sujeitar a educação às altas e baixas da bolsa de valores”, frisou Janine Ribeiro.
Outro ponto refere-se às bolsas de estudos e determina que as universidades e institutos federais que aderirem ao Future-se terão concessão prioritário de bolsas da Cooperação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Para Alexandre Netto, a medida, na prática, obriga as universidades a aderirem ao programa já que nenhuma delas pode abrir mão de bolsas da Capes. “Parece mais um constrangimento do que uma motivação para aderir”, afirmou.
Eixos acadêmicos
A nova versão do Future-se trouxe a proposta de criação de uma agência de acreditação, um tipo de classificadora que não existe no Brasil e faria o reconhecimento da qualidade das instituições de ensino superior estrangeiras. Aparentemente, essa agência substituiria as duas estruturas existentes hoje no Ministério da Educação, porém com atribuições diferentes – o IGC, Índice Geral de Cursos, e a Secretaria de Regulação, que aprova a abertura de universidades. “O que está no Future-se é a criação dessa agência que imaginamos ser para acreditar instituições estrangeiras ou para criação de novas universidades, porém não está claro”, disse Alexandre Netto.
Sobre os eixos acadêmicos do Future-se, o conselheiro da SBPC afirma que foram escritos por alguém que conhece muito pouco das universidades. “O que foi definido como ações de apoio mostram visão muito pobre do que as universidades já fazem e em alguns aspectos, por exemplo, a internacionalização, fazem muito melhor do que o proposto”.
Renato Janine Ribeiro aponta ainda a falta de consulta à comunidade acadêmica como o maior problema do Future-se. Na visão do ex-ministro, essa falta de diálogo acaba gerando ideias equivocadas sobre as universidades.
“Por exemplo, há uma velha afirmação de que as universidades públicas seriam fechadas à colaboração com o setor privado, isso não é verdade”. Segundo ele, as universidades públicas mantêm colaboração com o setor privado e as dificuldades muitas vezes refletem uma resistência das próprias empresas que preferem adquirir tecnologias fora do Brasil devido ao risco do investimento em pesquisa e desenvolvimento no País.
Leia na íntegra: Jornal da Ciência