Demissão do ministro volta a ser analisada no Planalto, destaca El Pais; Bolsonaro resistiria em demiti-lo porque entende que seria ceder à pressão da imprensa
A falha identificada no primeiro Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) da era Bolsonaro tirou o sono nos últimos dias de quase 6.000 estudantes e contribuiu para o desgate do ministro da Educação Abraham Weintraub à frente da Educação,uma pasta que enfrenta descontinuidade administrativa e troca de postos-chave desde o início da gestão.
Na noite desta segunda-feira, Alexandre Pereira Lopes, o presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) , responsável por organizar a prova, confirmou que um total de 5.974 alunos foram prejudicados pelos erros na correção do exame – a mais abrangente avaliação do gênero no país, que serve como vestibular para mais de 500 universidades públicas e particulares do país. Essa quantidade de resultados com problemas representa 0,15% dos 3,9 milhões de inscritos que fizeram as provas.
Os casos de erros se concentraram, segundo o Inep, principalmente em quatro municípios: Viçosa, Ituiutaba e Iturama, em Minas Gerais, além de Alagoinhas, na Bahia. Essas cidades concentraram 96,7% dos equívocos. Segundo o instituto, todos gabaritos foram corrigidos e as notas corretas já estão disponíveis para os candidatos. Conforme o Inep, houve casos em que as notas aumentaram e casos em que as notas foram reduzidas. “Vamos revisar e implementar novos testes para evitar essas inconsistências no futuro”, afirmou Lopes, que prometeu fortalecer os procedimentos de segurança. Há dois processos licitatórios abertos para a impressão dos próximos exames.
Ainda que tenha havido essas falhas, o Inep manteve para essa terça-feira a data de início das inscrições do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que é o meio utilizado pela União pelo qual as universidades oferecem suas vagas. Os candidatos com melhor classificação no Enem são selecionados por essas instituições. A diferença é que o prazo final para a inscrição no Sisu foi ampliado para o dia 26 de janeiro, antes, era o dia 24. No fim da noite, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal, pediu, via ofício, que o começo do Sisu seja suspenso até que todas as dúvidas e inconsistências sejam sanadas.
Falha pressiona ministro
Desde o início do Governo Jair Bolsonaro, há um ano, o Inep teve três presidentes diferentes, sendo que por cinco meses ficou sem qualquer dirigente no cargo máximo da entidade. No último dia 17, quando os resultados da prova foram divulgados pelo MEC e pelo Inep, o ministro Weintraub chegou a dizer que esse tinha sido “o melhor Enem de todos os tempos”. Indagado por meio de sua assessoria, nesta segunda-feira, se mantinha essa opinião, o responsável pela Educação não respondeu à reportagem.
No fim do ano passado, sem alcançar resultados expressivos em avaliações internacionais, pressionado por parlamentares que cobravam projetos para a pasta e depois de se envolver em uma série de polêmicas nas redes sociais nas quais discutia com internautas ou escrevia palavras com a grafia errada —como imprecionante ou paralização—, Weintraub era tido como o próximo ministro a cair do Governo. Foi mantido pelo presidente, dentro da chamada conta ideológica, que tem o apoio do guru do bolsonarismo, o escritor Olavo de Carvalho. Com essa falha no Enem, ele perde forças e, no Planalto, sua demissão volta a ser analisada. O presidente, contudo, resiste em demiti-lo porque entende que seria ceder à pressão da imprensa.
A falha no Enem, conforme o Inep, ocorreu porque alguns dos gabaritos usados na correção das avaliações realizadas em novembro do ano passado, eram distintos das provas que foram aplicadas a esses alunos. Por exemplo, um aluno respondeu as questões da prova azul, mas o gabarito usado para a correção dela foi o de uma amarela. Os cadernos de provas têm cores diferentes para evitar que um candidato/aluno copie as repostas de outro concorrente na mesma sala. O erro teria sido ocasionado, de acordo com o Governo, por uma falha da gráfica Valid, que foi contratada de maneira emergencial para imprimir o Enem.
Pelo trabalho para o exame, a empresa foi contratada por 151,7 milhões de reais. A mesma Valid ainda tem um outro contrato com a União no valor de 143,1 milhões. Esse último para aplicar as provas do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) e do Exame Nacional para Certificação de Competência de Jovens e Adultos (Encceja). Agora, ela será notificada para se explicar. Há a possibilidade de punições para a empresa. O Inep não soube precisar quais seriam essas sanções previstas nos contratos.
A confusão envolvendo as provas do Enem começaram em março do ano passado, quando a empresa que era responsável pela impressão das provas desde 2009, a RR Donnelley, declarou falência. Foi então que a Valid, a segunda qualificada em um certame de 2016 vencido pela RR Donnelley, foi contratada sem licitação alguma. A contratação teve o aval do Tribunal de Contas da União.
Prova furtada em 2009
Em 2009, o Enem também teve outra falha, quando três pessoas furtaram as provas da gráfica que a imprimia, a Plural, e tentaram vendê-la. O caso resultou no adiamento na realização das provas e na demissão do então presidente do órgão. Foi a partir de então que a RR Donnelley passou a prestar o serviço ao Governo.
Quando decretou a falência, a gráfica então responsável pelas provas já deveria estar começando seu processo de impressão. No mercado editorial havia a sinalização de que haveria problemas no Enem, que acabaram se confirmando neste fim de semana, quando alunos se queixaram das falhas nas redes sociais e o MEC as admitiu publicamente, dizendo que montaria uma força-tarefa com o Inep para analisar os casos. “A manifestação das pessoas nas redes sociais, junto com nosso 0800, permitiu que nós pudéssemos notar essas inconsistências e corrigi-las a tempo”, afirmou Lopes. Ele considerou positivo o resultado final do exame. “Quando se corrige a tempo, considero que é uma vitória”.
Um dos trabalhos dessa força-tarefa, formada por 300 servidores públicos e funcionários do consórcio que elaborou as provas, era checar os relatos dos candidatos que enviaram mensagens para o Inep. As reclamações foram encaminhadas por e-mail e o prazo para fazê-las era de menos de 24 horas. Esgotou-se na manhã de segunda-feira, quando 172.000 queixas foram enviadas. Conforme o presidente do Inep, todos os 3,9 milhões de candidatos tiveram suas notas revisadas. “Não foi apenas quem mandou o e-mail ”, afirmou Lopes.