A Scholars at Risk, entidade que realizou a pesquisa, tem recebido pedidos de ajuda de professores brasileiros que temem serem mortos ou presos
Pela primeira vez o Brasil apareceu como destaque de um relatório internacional que monitora e denuncia ataques ao ensino superior no mundo todo. O documento Free to Think, divulgado no fim de 2019, é organizado pela rede Scholars at Risk (SAR), ligada à New York University (NYU), dos Estados Unidos.
Em entrevista ao Estado, a diretora da SAR Clare Robinson diz que está “profundamente preocupada que autoridades públicas no Brasil, ligadas ao presidente Jair Bolsonaro, tenham feito declarações depreciativas sobre as comunidades de ensino superior”. Clare conta ainda que a entidade tem recebido pedidos de ajuda de professores brasileiros que dizem ter medo de serem mortos ou presos.
O relatório indica que houve 324 ataques em 56 países entre setembro de 2018 e agosto do ano passado e dedica estudos especiais a cinco deles: Índia, Turquia, Sudão, China e Brasil. A parte brasileira menciona incursões policiais a universidades públicas no período das eleições presidenciais, pedidos do governo Bolsonaro para que estudantes filmem e denunciem professores e a declaração do ministro da Educação, Abraham Weintraub, de que universidades promovem “balbúrdia”.
“Universidades são espaços globais essenciais, onde acadêmicos, estudantes e o público em geral podem se reunir para entender e resolver os problemas complexos que afetam todos nós. Por isso, ameaças e ataques à liberdade acadêmica e ao espaço universitário ameaçam todos nós”, afirma Clare.
Por que o Brasil é um dos destaques do relatório de 2019?
As pressões no setor de educação superior no Brasil são uma tendência preocupante e relativamente nova no nosso monitoramento. Há indícios de que isso pode piorar. O fato de ser apresentado ao lado de países como China e Sudão, onde ocorrem ataques muito mais frequentes e graves, mostra nossa crescente preocupação com os desenvolvimentos no Brasil.
Como coletam informações sobre o que está acontecendo no País?
A equipe e os parceiros da SAR em todo o mundo que trabalham no projeto identificam incidentes com base em notícias confiáveis, relatórios de direitos humanos, comunicações de organizações e colegas. Antes e depois das eleições presidenciais no Brasil, a SAR começou a receber relatos de violência e ameaças de motivação política contra acadêmicos brasileiros que pareciam ter a intenção de intimidar comunidades inteiras. Quase ao mesmo tempo, começamos a receber uma grande quantidade de pedidos de ajuda de acadêmicos brasileiros que relatavam medo de serem mortos ou presos.
Como a SAR pode ajudar essas pessoas?
A SAR oferece serviços de proteção a estudiosos ameaçados em todo o mundo. Devido à crescente demanda por nossa assistência, nossa equipe de proteção prioriza os pesquisadores que sofreram ameaças ou ataques diretos. Estamos buscando ampliar parcerias com a sociedade civil brasileira e o setor de ensino superior para entender melhor as pressões no espaço universitário do país. Por meio do Americas Academic Freedom Hub, estamos promovendo o crescimento de uma rede de acadêmicos e ativistas em toda a América Latina que se preocupam em promover a liberdade acadêmica e podem compartilhar informações.
A senhora soube que recentemente o ministro da Educação no Brasil (Abraham Weintraub) acusou universidades de plantar e usar ilegalmente maconha?
Não temos conhecimento disso e então não posso comentar. Mas estou profundamente preocupada que autoridades públicas no Brasil, ligadas ao presidente Bolsonaro, tenham feito declarações e reivindicações depreciativas sobre as comunidades de ensino superior. Elas colocam em risco estudantes, professores e espaços universitários, contribuindo com a antipatia pública em relação aos acadêmicos.
Qual é o objetivo do projeto Free to Think?
Rastreamos incidentes importantes para proteger indivíduos vulneráveis, aumentar a conscientização, incentivar a responsabilidade, promover o diálogo e a compreensão que podem ajudar a prevenir ameaças futuras. O relatório de 2019 tem ainda um “apelo à ação”, instando diversas partes interessadas – estados, instituições, professores, funcionários, alunos e a sociedade – a promover e proteger a liberdade acadêmica. (Para o Brasil, o relatório recomenda que seja garantida a segurança dos estudantes, professores e funcionários de universidades, investigando todos os incidentes, e também a autonomia e a liberdade universitária)
Por que é importante proteger a liberdade nas universidades de todo o mundo?
As universidades são um espaço global essencial, onde acadêmicos, estudantes e o público em geral podem se reunir para entender e resolver os problemas complexos que afetam todos nós em nossas comunidades, cada vez mais interconectadas. Por isso, ameaças e ataques à liberdade acadêmica e ao espaço universitário em qualquer lugar ameaçam todos nós.