Ministro afirmou que incentivos a estudos na área eram inéditos no país; Capes contrapõe que existem 240 pesquisas em andamento sobre o tema
Fonte de críticas, a postagem do ministro da Educação, Abraham Weintraub, em que ele escreveu “imprecionante” no Twitter, chamou atenção não apenas pelo erro de português. Ao dizer na mensagem que “não havia a área de pesquisa em Segurança Pública”, enquanto propagandeava a criação de um programa para fomentar estudos sobre o tema, o ministro sugeriu a inexistência de trabalhos acadêmicos abordando o assunto com recurso federal.
No entanto, há nove linhas de pesquisa ativas sobre segurança pública na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que registrou, somente nos últimos dois anos, 246 trabalhos de mestrado e doutorado na área, segundo catálogo da própria instituição. A assessoria de imprensa da Capes enviou nota contestando a versão original deste texto, que afirmava, de forma equivocada, que os 246 trabalhos citados haviam recebido incentivos da Capes.
O número está registrado no Catálogo de Teses e Dissertações da Capes, quando se faz a busca pelo termo “segurança pública”. O jornal O GLOBO filtrou somente dados de mestrado e doutorado, dos dois últimos anos, para chegar ao quantitativo. São estudos acadêmicos realizados na pós-graduação brasileira que recebe incentivos de instituições de fomento como a própria Capes e agências estaduais.
Responsável por financiar as novas bolsas anunciadas, a Capes afirmou em nota que o Programa Nacional de Cooperação Acadêmica em Segurança Pública e Ciências Forenses, lançado por Weintraub e pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, na quarta-feira, “é a primeira ação voltada especificamente para essa temática”. Serão destinados R$ 10,1 milhões no projeto, para estudos sobre segurança e combate à violência.
Mas pesquisadores ressaltam que a postagem do ministro pode levar a uma falsa impressão de que não há produção sobre o tema no Brasil, que tem tradição de estudos sobre o assunto. Universidades públicas contam, inclusive, com núcleos especializados na questão.
Para o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, o fomento à área da segurança pública dentro da academia é positivo e deve ser louvado, mas ele critica a tentativa de desqualificar o que já foi feito. Lima diz que a declaração de Weintraub é típica de políticos.
— Na política há a péssima mania de se querer recriar a roda. Mas, se for perguntado para quem trabalha com o tema faz anos, vai-se constatar que há uma longa tradição de pesquisas na segurança pública, incluindo nas áreas de engenharias e tecnologias. Incentivar pesquisa e desenvolvimento merece elogios, não é preciso desqualificar o passado para fazer a coisa certa— afirma Lima.
Livro de Lima lançado em 2010, em capítulo com o título “Produção acadêmica e segurança pública no Brasil”, apontou a produção de 8.205 teses e dissertações com recursos da Capes de 1983 a 2006. A maior parte (cerca de 85%) foi desenvolvida dentro das áreas de Ciências Humanas e Ciências Sociais, aponta a publicação.
No tuíte que depois foi apagado, após a repercussão do erro de português, Weintraub respondia a um elogio do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que sugeriu estudos sobre “uso defensivo de armas” dentro do novo programa.
“Caro @BolsonaroSP, agradeço seu apoio. Mais imprecionante: Não havia a área de pesquisa em Segurança Pública. Agora, pesquisadores em mestrados, doutorados e pós-doutorados poderão receber bolsas para pesquisar temas, como o mencionado por ti, que geram redução de criminalidade”, escreveu o ministro.
Leia a nota da Capes:
Em relação matéria “Capes financiou mais de 240 pesquisas desde 2018 em área de programa lançado por Weintraub e Moro”, a CAPES lamenta não ter sido procurada pela reportagem para comentar estudos que mostram a existência de 246 trabalhos e 8.205 teses e dissertações em segurança pública com recursos dessa fundação.
A CAPES apenas foi procurada porque a reportagem queria saber “quantos trabalhos de mestrado e doutorado a Capes já financiou com os temas da segurança pública nos últimos anos”.
A CAPES informou à reportagem que “destina bolsas de estudo no país e recursos de custeio diretamente aos programas de pós-graduação, e eles decidem o uso do recurso de acordo com o permitido nos regulamentos. Os diversos programas de pós-graduação podem ter destinado recursos para financiamento de trabalhos na área de segurança pública, entretanto essa informação deve ser obtida junto aos programas. Em relação ao Programa Nacional de Cooperação Acadêmica (Procad) em Segurança Pública e Ciências Forenses, lançado ontem (08/01/2020), é a primeira ação voltada especificamente para formação de recursos humanos focada nessa temática”.
O fato de um trabalho constar do Catálogo de Tese e Dissertações da CAPES, citado na reportagem, não significa que recebeu recursos desta fundação, como leva a crer a matéria publicada pelo O Globo. Alguns dos trabalhos desta publicação são até de mestrados profissionais, cursos não financiados pela CAPES. E grande parte das pesquisas mencionadas não tem relação com o tema do Procad Segurança Pública, que está relacionado ao combate à violência.
A CAPES informa que o Procad Segurança Pública e Ciências Forenses é um programa inédito nesta fundação, que terá financiamento também do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Trata-se de uma iniciativa institucional, diferente das outras que são realizadas de forma individual e de acordo com a necessidade de cada programa de pós-graduação. Com investimento de R$ 10,1 milhões, o Procad auxiliará as forças de segurança principalmente no enfrentamento ao crime no país e dará maior impacto social às pesquisas para beneficiar a sociedade.
Leia a reportagem na íntegra: O Globo