Números contrariam a tese de ineficiência das instituições públicas adotada pelo governo Bolsonaro
A interação entre universidades públicas e empresas é subestimada no Brasil. Estudo do físico e diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Carlos Henrique Brito Cruz, mostra que o número de artigos científicos realizados em coautoria por pesquisadores da academia e da indústria cresceu a uma taxa média de 14% ao ano entre 1980 e 2018, passando de pouco mais de uma dezena para mais de 1,5 mil ao final do período.
Os números, inéditos no país e que integram levantamento do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), contrariam a tese de ineficiência das universidades brasileiras, adotada por membros do governo Bolsonaro.
De acordo com Brito Cruz, não existem indicadores confiáveis sobre a interação entre academia e empresas no país, o que abre espaço para juízos equivocados. “Ainda é comum ouvirmos as pessoas falarem que é muito complicado fazer os contratos de colaboração ou que a universidade não quer interagir. Isso não é mais assim. Há desconhecimento por parte do governo, mas também dentro da própria academia, influenciado por impressões pessoais que vêm dos anos 1970.”
Na visão do pesquisador, mais grave que os ataques e a frequente deferência a países como EUA, China e Coreia do Sul sem base de comparação local, é a formulação de políticas de fomento no escuro. “A raiz do problema está no fato de que as decisões no Brasil não se fundamentam em um diagnóstico preciso da situação. Não há indicadores que ajudem a fundamentar as políticas”, diz.
Por isso, Cruz, que também foi reitor da Unicamp entre 2002 e 2005, criou um algoritmo para refinar buscas na plataforma Web of Science, que reúne informações extraídas de bancos de dados sobre artigos acadêmicos do mundo inteiro. Mantida pela empresa americana Clarivate Analytics, o hub científico já permite mensurar a interação entre a academia e um grupo limitado de companhias dos EUA, o que compromete dados relacionados ao Brasil. O pesquisador criou então filtros adicionais capazes de identificar empresas brasileiras e estrangeiras por meio de termos comuns a nomenclatura dos negócios, como a terminação “ltda” (limitada).
A despeito do crescimento na produção conjunta de conhecimento por empresas e universidades, chama a atenção a concentração: nos últimos dez anos pesquisados (2009-2018), 72% do total de artigos escritos nesses termos pertencem a dez universidades.
Isolada à frente está a Universidade de São Paulo (USP), com 2,7 mil artigos em coautoria no período, mais que o dobro da segunda instituição que mais interagiu com empresas, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com 1,1 mil artigos. A lista ainda traz as universidades estaduais de Campinas (Unicamp) e Paulista (Unesp), além das federais de São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Paraná, Viçosa (MG) e Santa Catarina.
“Fica clara a necessidade de criar condições para expandir essa interação em outras universidades. Há um potencial enorme a se explorar”, afirma Cruz.
Segundo o pesquisador, isso pressupõe mais investimento público não só para a elevação da qualidade da pesquisa na maioria das universidades do país, mas também especificamente para a promoção da relação com o setor produtivo e outras universidades. “Isso passa por estabelecer parcerias, ser vista no mundo, frequentar conferências internacionais na presença de outros centros e empresas.”
Do lado das empresas, a Petrobras se destaca. Entre 2015 e 2017, a petroleira surge associada a pelo menos um autor em 543 trabalhos acadêmicos ou 13% do total analisado. Também se destacam os laboratórios farmacêuticos, como Novartis (em segundo lugar com 77 artigos), Pfizer, GSK e AstraZeneca. Furam essa hegemonia empresas como Vale, IBM e Embraer.
A forte presença da indústria farmacêutica também foi capturada na compilação por campo científico. Entre 1985 e 1987, as ciências da saúde responderam por cerca de 12% dos artigos produzidos em coautoria com a industria, participação que subiu para 29% no triênio 2015-2017. Em movimento contrário, a participação das ciências exatas e da terra, por exemplo, caiu de 50% para 22% em 30 anos.
O levantamento também buscou identificar a proporção do investimento feito por empresas nas universidades. Por falta de mais informações seriadas, Cruz comparou as universidades paulistas que publicam o dado com o conjunto de escolas americanas, que possuem dados compilados desde 1953. Nos dois universos, é relativamente pequena a proporção de investimento privado no total aplicado em pesquisa: nos Estados Unidos, em 2018, essa parcela foi de apenas 6%, em linha com USP (5,1%), Unicamp (6,3%) e Unesp (5,7%), cujos últimos dados confiáveis são de 2015. Naquele ano, a média americana fora 5,8% do orçamento vindo de empresas.
Fonte: Valor Econômico