Sem trégua: nesta virada de ano teve ‘nova’ versão do Future-se, ataque à autonomia universitária e corte de cargos em instituições de ensino

Governo aproveitou as festas de fim de ano para mudar as eleições para reitores e vedar concurso público para 68 profissões nas federais… 2020 promete

O governo Bolsonaro aproveitou os últimos dias de 2019 e o início do ano novo para publicar medidas que afetam diretamente as instituições públicas de ensino, com mudanças que ferem a autonomia universitária (como a que altera as regras para eleição de reitores) e reduzem ainda mais o número de servidores nas federais.

O Ministério da Educação também aproveitou o recesso acadêmico para colocar em consulta pública o texto do Future-se, programa que já foi rejeitado pela maioria das universidades e que, em sua nova versão, mantém a essência da proposta original.

Se você não conseguiu acompanhar o noticiário durante o recesso de fim de ano, aqui está um resumo com as principais informações:

MP exige eleição com lista tríplice para escolha de reitor

Uma medida provisória (MP) publicada no dia 24 de dezembro pelo presidente Jair Bolsonaro torna obrigatória a realização de eleições com listas tríplices para a escolha de dirigentes das universidades federais e reduz o peso do votos de alunos e funcionários, aumentando o de professores.

A MP também determina que os cargos de vice-reitor e diretores de faculdade serão escolhidos pelo reitor. Até agora, cabia a cada instituição definir a forma de seleção desses cargos e a maioria fazia votações. O vice também concorria na mesma chapa do reitor, o que é eliminado pela medida provisória.

A medida torna obrigatório que o nome do reitor ou líder das instituição de ensino federal escolhido saia da lista tríplice. O texto estabelece que o voto dos professores terá um peso de 70% nas eleições, e os funcionários e alunos terão peso de 15% cada. A eleição escolherá uma lista tríplice de candidatos entre os mais votados e o presidente da República terá a obrigação de nomear o reitor entre um dos nomes indicados.

O processo até então em vigor estabelecia que a escolha de reitores fosse decidida em etapas: professores titulares se organizam em chapas e passam por uma consulta eleitoral ampla entre a comunidade acadêmica, em que alunos e técnicos também votam. Com a prerrogativa da autonomia universitária, cada instituição determinava o peso de cada voto. Na UFRJ, por exemplo,os três setores eram paritários.

Na sequência, um colégio eleitoral, composto de representantes da instituição (este, sim, com peso maior do corpo docente), elege uma lista tríplice, geralmente encabeçada pelo vencedor da consulta ampla. A lista é encaminhada ao Ministério da Educação (MEC), e o presidente tem a prerrogativa constitucional de indicar qualquer um dos três nomes. A nomeação do primeiro colocado vinha sendo seguida à risca desde 2003, mas Bolsonaro quebrou a tradição neste ano.

A MP estabelece ainda que “se não houver eleição, se a eleição for anulada ou se não conseguirem formar lista tríplice, será nomeado reitor pro tempore pelo ministro de Estado da Educação, ao mesmo tempo em que se realiza nova votação”.

Especialistas em educação e membros da comunidade acadêmica dizem que a medida fere a autonomia universitária. Em nota publicada no dia 25 de dezembro, o Andes-SN considerou a medida inconstitucional e considerou a MP um ataque à autonomia das universidades e à democracia das IES (leia na íntegra).

Para o Proifes, MP 914, “com uma fachada democrática”, elimina o processo democrático na escolha de diretores de unidades e campi e reduz o papel dos Conselhos Universitários (leia na íntegra).

O presidente da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), João Carlos Salles disse que as universidade não foram consultadas.

MEC publica terceira versão do Future-se e abre nova consulta pública

O Ministério da Educação (MEC) publicou no dia 3 de janeiro uma nova versão do programa Future-se no Diário Oficial. O texto reformulado ficará em consulta pública até o dia 24 de janeiro para depois ser enviado como Projeto de Lei ao Congresso Nacional. É possível se manifestar sobre o programa pelo e-mail [email protected], ou pela plataforma digital do Future-se (http://www.participa.br/profile/future-se/).

Em agosto do ano passado, o MEC apresentou uma primeira proposta do programa que foi rejeitada por universidades. As versões, no entanto, são muito semelhantes. Em artigo publicado no jornal O Globo, o presidente da Andifes João Carlos Salles ressalta que a nova proposta também “atenta contra a autonomia universitária, indica descompromisso do Estado com o financiamento público da educação superior e agride a plenitude, a integridade e a unidade de cada instituição universitária, bem como do inteiro sistema de ensino superior federal”.

De acordo com o novo texto, as bolsas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) serão concedidas prioritariamente para os participantes do programa. Salles vê nesta medida uma “pressão política nova e estranha”, por colocar em segundo plano a política de aperfeiçoamento e formação de pessoal de nível superior.

Para participar, a instituição de ensino superior interessada deverá assinar um “contrato de resultado” com o ministério, que na versão anterior se chamava de “contrato de desempenho”. Para o presidente da Andifes, uma mudança que não muda o sentido da medida, que é o de diminuir o papel das administrações centrais.

Decreto de Bolsonaro extingue 27,5 mil cargos e veda concurso para 68 profissões em universidades

Ainda no final de dezembro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro extinguiu 27,5 mil cargos e vedou concursos para 68 profissões em universidades e instituições federais de ensino. Os postos extintos por decreto incluem atividades consideradas obsoletas – como datilógrafo, telefonista e linotipista –, e outras atuais, como enfermeiro, auxiliar de enfermagem e técnico em saneamento, além de motorista de órgão específico, como o Ibama.

Segundo o governo federal, nenhum servidor que ocupe essas profissões hoje será demitido. Do total de cargos que serão extintos pelo decreto de Bolsonaro, 14.227 já estão desocupados e serão suprimidos imediatamente. Outros 13.384 estão ocupados e a extinção ocorrerá quando o servidor se aposentar.

O decreto veda ainda a abertura de concursos públicos e o provimento de vagas, além do previsto em editais de seleções já em andamento, para postos em instituições federais de ensino que incluem atividades como instrumentador cirúrgico, auxiliar de enfermagem, operador de câmera de cinema e TV, revisor de textos braile, técnico em música, em anatomia e em audiovisual, coreógrafo e diretor de artes cênicas, entre outros. Confira aqui o decreto com todos os cargos.

De acordo com o Ministério da Economia, essa medida atinge cerca de 20 mil cargos. O decreto não extingue postos, mas veda novas contratações além das previstas em concursos já em andamento.

Segundo o ministério, a maior parte das atribuições dos postos que estão sendo extintos pode ser exercida por contratação terceirizada e descentralização para outros entes da federação.

A extinção dos cargos anunciada pelo governo vai na contramão do que pedem os dirigentes das universidades, que no início do ano calculavam ter um déficit de 15 mil servidores técnico-administrativos em toda a rede de ensino superior. Reitores e diretores afirmam que o número insuficiente de servidores impacta não apenas na área administrativa das instituições, mas também no ensino e pesquisa. Para os dirigentes das universidades, a extinção dos cargos e a suspensão dos concursos é um alerta para o risco de uma situação financeira difícil no próximo ano. Em 2019, as instituições já enfrentaram o contingenciamento do orçamento durante a maior parte dos meses.

Leia mais: Globo, Estadão, G1