Falta de verba para pesquisa e polarização política explicam saída de profissionais qualificados brasileiros para o exterior
Foi uma espécie de tempestade perfeita que fez o economista e professor carioca Claudio Ferraz deixar o Rio de Janeiro em julho deste ano, com a família, para morar e trabalhar em Vancouver, no Canadá, sem data para voltar. Limitações para desenvolver pesquisa, polarização política, mudanças no governo e escalada da violência estão entre os motivos que levaram Ferraz a aceitar um posto de professor na University of British Columbia – além, claro, da possibilidade de intercâmbio profissional.
Ferraz, que tem artigos publicados em periódicos internacionais de prestígio como a “American Economic Review” e o “Quarterly Journal of Economics”, já havia recebido convites para sair do Brasil anteriormente, mas preferiu ficar. “Meu foco para analisar o mundo é através do Brasil, trabalhando com dados, analisando políticas públicas. Sempre tive a vantagem de estar perto de onde as coisas acontecem. E tem aquilo de fazer pesquisa com algum impacto no país, você sente que tem dimensão útil. Isso sempre me atraiu ao Brasil”, diz.
O que aconteceu nos últimos anos que o levou, desta vez, a uma decisão diferente? “A primeira coisa foi a mudança política que começou no governo da Dilma [Rousseff], depois com o impeachment, que é essa crescente polarização e as várias consequências no dia a dia, desde brigas familiares até o estresse diário”, diz Ferraz.
A polarização foi seguida por um governo, sob a liderança de Jair Bolsonaro, que, na visão do economista, torna difícil acompanhar os jornais. “Ter que acordar todos os dias e ler o que tem sido feito em ambiente, educação, para quem trabalha com educação superior, pesquisa, é deprimente. O sentimento é de um país que está indo para baixo.”
A história de Ferraz é representativa de um fenômeno de captação pouco trivial, mas que se acentuou durante a última crise econômica e tem deixado especialistas em alerta a respeito de um novo fôlego neste ano: a fuga de cérebros, isto é, a saída definitiva do país de profissionais de alta qualificação.
Desde 2015, quando a economia mergulhou em recessão, o número de saídas definitivas do Brasil está acima dos 20 mil a cada ano. Antes disso, vinha subindo, mas não passava de 15 mil. Em 2018, 22,4 mil pessoas entregaram declarações de saída definitiva do Brasil, segundo apuração dos técnicos da Receita Federal até novembro deste ano – ainda não existem dados para 2019.
Seguir uma carreira acadêmica no Brasil é, de acordo com Ferraz, estar “sempre lutando contra uma série de barreiras”. São dificuldades, por exemplo, de obtenção de recursos e de planejamento de longo prazo por parte das agências de fomento. ”Aqui [no Canadá] é o contrário, o gasto com pesquisa científica é significativo, entidades se dedicam a isso, a pesquisa está acontecendo, as pessoas estão produzindo”, afirma.
Como economista, Ferraz reconhece a necessidade de reforma fiscal do governo brasileiro e que “a bonança dos altos gastos em ciência acabou”. “Mas alinhado a isso vem o pouco caso do governo em relação à importância da ciência em todas as dimensões.”
Leia na íntegra: Valor Econômico