Dos R$ 13 bilhões previstos, cerca de R$ 5 bilhões estão reservados para superávit primário e pagamento de juros da dívida
O anúncio de que o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) ficará isento de contingenciamentos em 2020 foi uma boa notícia inesperada para a comunidade científica nesta reta final de 2019. Mas não há muito o que comemorar. Por baixo dessa “blindagem”, o orçamento proposto para o MCTIC no ano que vem é 15% menor do que o deste ano, e já traz embutido nele um contingenciamento de quase 40%, que não poderá ser desfeito.
“A situação não é nada animadora; temos um quadro muito difícil pela frente”, diz o físico Ildeu Moreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Procurado pela reportagem do Jornal da USP para comentar os números, o MCTIC destacou por meio de sua assessoria de comunicação que vem atuando junto ao Congresso Nacional e ao Governo Federal “no sentido de demonstrar a importância de investimentos contínuos e previsíveis no sistema de ciência, tecnologia e inovação, que são a ponta de lança do desenvolvimento de qualquer país”.
O orçamento total previsto para o MCTIC na última versão do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA 2020) apresentado pelo governo é de aproximadamente R$ 13 bilhões, 15% menos do que os R$ 15,3 bilhões aprovados na Lei Orçamentária Anual (LOA) deste ano, segundo uma comparação feita pela assessora Mariana Mazza, da SBPC.
Desse total, cerca de R$ 5,1 bilhões (39%) estão alocados como “reserva de contingência” — o que significa que o dinheiro está lá, no orçamento do MCTIC, mas não pode ser gasto com ciência e tecnologia (fica reservado para composição de superávit primário e pagamento de juros da dívida pública).
A “blindagem” aprovada pelo governo impede que o orçamento seja contingenciado em 2020, uma vez aprovado o PLOA, mas não desfaz esse contingenciamento que já está embutido no projeto de lei. “Importante ressaltar que essa reserva de contingência não é liberada nunca”, diz o professor Glaucius Oliva, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP. “Não é um chocolatinho que vai voltar no fim do ano, se as coisas melhorarem. É um dinheiro perdido.”
Além disso, R$ 1,3 bilhão (10% do total) estão inscritos no orçamento como “crédito suplementar”, sujeito a aprovação posterior do Congresso Nacional para sua utilização. Ou seja, é um recurso que está previsto, mas não garantido.
No fim das contas, excluindo-se ainda os recursos já comprometidos com salários, aposentadorias e outras despesas obrigatórias, o que sobra como recursos discricionários, disponíveis para investir em ciência e tecnologia, são R$ 4,7 bilhões — uma redução de 38% em relação a 2019, segundo os dados da SBPC.
“A perspectiva para 2020 segue muito ruim”, conclui Oliva, que também é ex-presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) — um dos órgãos mais afetados pelos cortes.
“O orçamento proposto para o CNPq em 2020, de R$ 1,3 bilhão, garante o pagamento de bolsas para o próximo ano, mas reduz a quase zero (R$ 17,6 milhões) os recursos disponíveis para financiamento de projetos de pesquisa e outras atividades de fomento, que são a razão primordial de existir do conselho. Principal agência de fomento à pesquisa científica no Brasil, o CNPq chegou a empenhar R$ 3,3 bilhões de orçamento em 2014, segundo Oliva, sendo R$ 1 bilhão disso em fomento.
O edital mais tradicional de apoio à ciência básica do órgão, conhecido como Chamada Universal, costumava distribuir R$ 200 milhões em recursos para irrigar milhares de projetos de pesquisa em todo o Brasil. Nos últimos anos, nem chegou a ser realizado.
“A situação do CNPq é dramática, e toda a ciência brasileira sofre com isso”, afirma Moreira. Para piorar a situação, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), agência de fomento vinculada ao Ministério da Educação (MEC), deve ter seu orçamento cortado em quase 30% em 2020, com possíveis impactos sobre os programas de pós-graduação, que são a principal máquina de produção científica do País.
Votação final
A proibição de contingenciamento do orçamento do MCTIC em 2020 faz parte de um pacote de ressalvas feitas por parlamentares à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e acatadas (em parte) pelo presidente Jair Bolsonaro no início deste mês.
Na terça-feira, dia 10, o Congresso aprovou ainda uma emenda, articulada pela SBPC e apresentada pelo deputado pernambucano João Campos (PSB), que estende essa “blindagem” à Embrapa, Fiocruz, IBGE, Ipea e ao FNDCT; mas essa extensão ainda depende de aprovação presidencial.
A expectativa é que a PLOA 2020 seja votada no dia 17, às vésperas do recesso parlamentar — como ocorre todos os anos. O Legislativo tem poder para alterar o orçamento enviado pelo Executivo, mas não é o que costuma ocorrer. “O Congresso não tem tradição de mexer no orçamento, diferentemente do que ocorre em outros países”, ressalva Moreira. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Congresso reverteu vários cortes à ciência propostos pelo presidente Donald Trump nos últimos anos. Em vez de diminuir, aumentaram os investimentos no setor.
Leia na íntegra: Jornal da USP