Pela proposta, gastos com aposentadorias e pensões passariam a fazer parte do valor mínimo que o governo é obrigado a gastar nessas áreas
O pacote econômico entregue nesta terça-feira (5) ao Congresso deve incluir uma manobra contábil que abre espaço para derrubar os gastos públicos com saúde e educação, segundo informações obtidas pela Folha de S. Paulo. O governo quer incluir todas as despesas com aposentadorias e pensões vinculadas às duas áreas nos cálculos do mínimo constitucional. Significa que esses gastos passarão a fazer parte do valor mínimo que o governo é obrigado a gastar com saúde e educação.
A medida já sofre resistência no Congresso. “A gente vai ter muita dificuldade. Incluir inativo dentro da despesa social é um risco muito grande de reduzir o percentual de gasto na área social. Como a despesa do inativo cresce mais que a despesa dos estados e municípios, vamos ter uma redução de aplicação de recursos na área social. Isso vai ter muita dificuldade de a Câmara compreender isso como um avanço”, disse o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), foi na mesma linha. “Hoje, este pagamento dos aposentados, de saúde, educação estão fora do limite de investimentos. Você botar pra dentro, acaba tirando recursos que poderiam ser investidos na saúde e na educação, que é um grande gargalo. O Senado também não vai aceitar diminuir recursos de investimento na saúde e na educação”, disse Alcolumbre.
A medida está em dois artigos de uma minuta da chamada PEC (Proposta de Emenda à Constituição) emergencial, que tem como foco a criação de gatilhos para permitir uma redução de gastos do governo em momentos de aperto orçamentário.
Atualmente, os gastos com pessoal ativo de saúde e educação compõem o cálculo do mínimo constitucional. Pagamentos de aposentadorias, pensões e até mesmo de servidores ativos deslocados para outras áreas ficam fora da conta.
Na prática, a proposta permitiria que, para cumprir a exigência de despesas com saúde, os recursos pagos a aposentados tenham o mesmo peso, por exemplo, que o dinheiro aplicado no atendimento básico e procedimentos de alta complexidade.
O piso previsto na Constituição parte da concepção de que saúde e educação são direito de todo cidadão e dever do Estado. Desde 2018, esse mínimo é calculado com base no valor aplicado no ano anterior, corrigido pela inflação.
Pela proposta do governo, a nova regra não valeria apenas para o governo federal, mas também para estados e municípios, que também são obrigados a destinar uma fatia do Orçamento para essas áreas.
O gasto mínimo em saúde previsto na Constituição é de 15% da receita corrente líquida, no caso da União. Para a educação, o governo federal tem de aplicar ao menos 18% da receita de impostos. Os pisos para estados e municípios levam em conta outros fatores.
A previsão do piso de saúde para 2020 está em R$ 121,2 bilhões. Para atingir esse patamar, porém, o governo federal dependerá de emendas parlamentares, projetos nessa área que são definidos por deputados e senadores.
Se aprovada, a inclusão das despesas com aposentadoria no cálculo do piso entrará em conflito com a lei complementar em vigor hoje, que regulamenta o cálculo. Entretanto, por se tratar de emenda à Constituição, a proposta do governo tem nível hierárquico superior.
Na educação, há uma folga maior nos gastos da União em relação ao piso. Para o ano que vem, o mínimo está em R$ 54,4 bilhões, mas o governo prevê que gastará R$ 98,3 bilhões.
Para ter ideia do impacto que a nova forma de cálculo pode causar, o gasto com aposentadorias do Ministério da Saúde neste ano é estimado em R$ 9,6 bilhões, enquanto a despesa do Ministério da Educação será de R$ 15,7 bilhões.
Técnicos de Orçamento no Congresso consideram que a proposta seria manobra para mascarar o corte no valor mínimo a ser aplicado nessas áreas.
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