Lançado em julho, programa do Ministério da Educação para as universidades federais já está na sua segunda versão
“Liberdade, conhecimento, pesquisa, trabalho, futuro, riqueza. Future-se”. Assim Abraham Weintraub deu início à apresentação do programa, no dia 16 de julho em Brasília. O ministro divulgou o Future-se e suas diretrizes ao lado de seu secretário de educação superior, Arnaldo Lima. Membros do governo, parlamentares e reitores estiveram presentes na cerimônia.
Na ocasião, o ministro apresentou os três eixos que regiam o programa: 1) Gestão, Governança e Empreendedorismo; 2) Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação; 3) Internacionalização.
Os três eixos giravam em torno principalmente da parceria prevista no projeto entre as universidades e as organizações sociais (OS). Elas teriam um papel — ainda que vago na minuta — desde a participação na administração de recursos até o estímulo ao relacionamento das universidades com o setor empresarial.
O novo texto
A apresentação do Future-se em julho teve como base um texto preliminar do programa. Um novo documento foi formulado pelo Ministério da Educação e apresentado à Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino (Andifes) no dia 16 de outubro.
O jornal Estadão antecipou a minuta do projeto. Um dos pontos de maior repercussão foi o compromisso das instituições em reduzir gastos com professores e funcionários. “A redução da despesa com pessoal constitui indicador obrigatório de todo contrato de desempenho a ser firmado”, constava no documento.
Por fim, o MEC retirou a cláusula, mas ainda há uma brecha para que o indicador seja incluído posteriormente. O texto agora diz que “o Ministério da Educação, conjuntamente com a universidade ou o instituto federal, fixará os indicadores para mensuração do desempenho relacionados aos eixos do Programa, considerando as peculiaridades de cada instituição”.
Os eixos do programa também foram alterados. Agora o Future-se é dividido em 1) Pesquisa, Desenvolvimento tecnológico e Inovação; 2) Empreendedorismo; 3) Internacionalização.
O MEC suavizou alguns pontos que geraram controvérsia desde a primeira divulgação, como por exemplo as parcerias com as organizações sociais. Ainda não está claro se será obrigatório algum contrato com as OSs, mas o novo texto prevê que os contratos com o Future-se possam ser feitos por meio de fundações de apoio.
A mesma essência
Na avaliação do presidente da Apufsc-Sindical, prof. Bebeto Marques, houve um recuo do MEC, mas a essência do projeto segue a mesma. Bebeto faz parte do grupo de trabalho instituído na UFSC que vem estudando o Future-se desde o seu lançamento e promovendo o debate nos centros de ensino e campi da universidade.
“Em uma análise preliminar, é possível dizer que o projeto mantém a lógica sobre o que deve ser valorizado e incentivado nas universidades (inovação e empreendedorismo, mais como produto e prestação de serviços), instituindo mecanismo para, de um lado, promover sua comercialização e de outro, como consequência, o definhamento de algumas áreas do conhecimento”.
Prof. Bebeto Marques, presidente da Apufsc-Sindical
O que diz o MEC
De acordo com o Ministério da Educação, o objetivo do programa é estabelecer “parcerias” com organizações sociais visando “o fortalecimento da autonomia administrativa, financeira e da gestão das universidades e institutos federais”.
O Future-se foi anunciado pelo MEC como um programa de adesão voluntária. As universidades que decidirem aderir ao programa estarão submetidas 100% às normas que serão estipuladas. Nas palavras de Weintraub, “é tudo ou nada”.
Entre as normas está a submissão a um Comitê Gestor que irá supervisionar o cumprimento do programa. O novo texto define do projeto define que o comitê será constituído por representantes das universidades e institutos federais e do Ministério da Economia, Ministério da Educação e Ministério da Ciência e Tecnologia.
Repercussão nas Universidades
A maior parte das universidades federais rejeitaram o programa do governo federal. Segundo levantamento feito pelo Estadão com as universidades, até o dia 25 de setembro eram 7 instituições com posicionamento crítico e 27 manifestações contrárias à adesão.
A Andifes está reunindo e atualizando em seu site os posicionamentos das universidades. Até o momento (15/10) são 43 manifestações entre posições críticas e rejeições.
Nos dias 25 e 26 de julho, a Andifes esteve reunida em Vitória (ES). Do encontro resultou a Carta de Vitória, um posicionamento da entidade sobre o Future-se.
No documento, a associação destaca que a própria formulação do programa é um reconhecimento por parte do governo da “atual e progressiva defasagem orçamentária das universidades”.
“Em vez de centrar esforços na retirada dos efeitos perversos da Emenda Constitucional 95, que atingem todo o serviço público e, especialmente, a educação, o Programa oferece uma solução apenas para aquelas instituições que se disponham a renunciar à forma atual de exercício da autonomia garantida pela constituição e a aderirem a um fundo de investimento, sem que estudos mais detidos amparem ou corroborem a viabilidade desse Fundo, mesmo no longo prazo”.
Carta de Vitória
O documento ainda ressalta que o programa foi apresentado em um contexto de crise orçamentária enfrentado pelas instituições federais de ensino em função dos bloqueios do Ministério da Educação (MEC).
Em entrevista à Revista Exame, o presidente da Andifes João Carlos Salles disse que a carta não é uma rejeição imediata ao programa, mas uma manifestação em defesa de que as comunidades acadêmicas precisam ser ouvidas. “A carta de Vitória é radical no sentido de lembrar que é meio estranho discutir o futuro das universidades se nós não temos garantia de que as contas poderão ser pagas”, destacou Salles.
O Future-se e a UFSC
Cinco dias após a divulgação do programa no Ministério da Educação (MEC), a Administração Central da UFSC divulgou uma primeira manifestação. Na nota, a reitoria lembra que as instituições federais de ensino superior já desenvolvem atividades relativas aos eixos apresentados no projeto do governo.
“Nesse sentido, o “Future-se” não traz elementos diversos daqueles já presentes no cotidiano de nossas instituições. Faz-se necessário avaliar com cautela e profundidade, por meio de comissão específica e representativa da comunidade universitária, as proposições que digam respeito à criação de organizações sociais e fundos, bem como os impactos de tal cenário sobre o financiamento público da educação brasileira.”
Administração Central da UFSC
Em seguida, a UFSC instituiu o GT Future-se. Entre os resultados do grupo está uma análise preliminar montada pelo presidente da Apufsc, prof. Bebeto Marques, com base no texto inicial do projeto. Na apresentação, o professor identifica uma mudança progressiva de quatro modelos em vigor atualmente nas IFEs:
- Financiamento – de recursos do Tesouro para fundos públicos, semi-públicos e privados;
- Gestão – de Autarquia e Regime único para OSs e CLT;
- Finalidade – de formação e pesquisa voltada ao enfrentamento
dos problemas e mazelas do pais, para formação fortemente
direcionada a demandas de mercado; - Mentalidade – de cultura da coisa pública para ethos
empreendedor de matriz empresarial.
No dia 13 de agosto, os professores da Apufsc-Sindical votaram pela adesão à Greve Nacional em Defesa da Educação. Ao todo, 69,14% dos 758 docentes votaram online na segunda etapa da Assembleia Geral Extraordinária. A paralisação foi um dos movimentos de reação da comunidade universitária ao Future-se.
Ainda no mês de agosto, a Administração Central anunciou medidas para lidar com os cortes orçamentários impostos pelo Governo Federal movimentaram. A secretaria de planejamento teve que cancelar a realização da Semana de Pesquisa e Extensão (Sepex) e anunciou o uso do Restaurante Universitário (RU) apenas para estudantes com isenção do valor de R$ 1,50.
No dia 29, o reitor Ubaldo César Balthazar falou sobre a situação com a comunidade acadêmica. Sob pressão dos estudantes, Ubaldo declarou que a a posição contrária da reitoria ao Future-se.
“Se nós aqui nos unirmos e todas as universidades se unirem também […], nós vamos derrubar esse projeto”,
Ubaldo César Balthazar, reitor da UFSC
Após a reunião, a reitoria suspendeu as aulas a partir das 16h no dia 2 de setembro, e a partir das 13h no dia 3 de setembro, para permitir a participação de todos na Assembleia Geral Universitária do dia 2 e na Sessão Pública do Conselho Universitário (CUn), que ocorreu no dia 3.
A Assembleia Geral Universitária reuniu quase 5 mil pessoas, em sua maioria estudantes, e convocou uma Greve Geral a partir do dia 10 de setembro contra os cortes e contra o Future-se.
A sessão aberta do Conselho Universitário também lotou o Auditório Garapuvu, no Centro de Cultura e Eventos. A discussão concluiu com a rejeição oficial do Future-se pelo Conselho e em todos os centros de ensino e campi da UFSC.
Vinicius Claudio