A permissividade do conceito de gênero: estratégias de confronto e de combate para famílias cristãs

Como foi noticiado nas redes sociais, o governo estadual de SC lamentavelmente homologou o documento que compõe o currículo base da educação infantil e do ensino fundamental incluindo a identidade de gênero como um dos conteúdos a ser abordado.

Estudos de gênero tem sido alvo de um massivo investimento por parte de organizações e fundações internacionais o que parece, num primeiro momento, dar contornos de importância ao assunto, contudo, a premissa básica do conceito de gênero carece de qualquer fundamentação científica fazendo sentido apenas  como uma abstração na mente de pessoas que simpatizam com a ideia. A crítica é necessária, pois, afirmar que “ser homem ou mulher” não seja algo fixado pelo que biologicamente se atribui como sendo do sexo masculino ou feminino só seria aceitável se encontrássemos evidências que mostrassem a inadequação dessa definição. Mas, que evidências seriam essas?

Vamos situar o problema. Quando uma ideia científica não passa em algum teste onde ela pretensamente se aplicaria tem-se um falseamento da ideia. O procedimento então é buscar uma modificação dos pressupostos constitutivos da ideia de modo que a aplicação da ideia modificada dê conta também dos novos fatos que motivaram a revisão da ideia original. Nesta ótica, modifica-se um pressuposto com base em evidências inequívocas e não em percepções subjetivas.

 

Aplicando isso ao conceito de longa data utilizado de que “ser homem ou ser mulher é algo determinado pelas características adquiridas naturalmente por processos biológicos”, qual seria o fato que motivaria a revisão deste conceito? O que comumente vemos associado à defesa da questão do gênero, que comportaria a revisão conceitual aludida anteriormente,  são casos bem explorados em folhetins e na mídia onde uma pessoa tida biologicamente por homem (mulher) afirma se identificar como mulher (homem). Mas, isso o faz ser de fato uma mulher (homem)? Do ponto de vista biológico  a resposta é negativa, pois alguém que tem nas células cromossomos XY não os mudará em XX apenas por afirmar isso, ainda que alguns tentem desesperadamente através de procedimentos cirúrgicos e tratamentos hormonais invasivos assumir uma aparência, e apenas a aparência, daquilo com que se identifica.  E há uma enorme contradição nisso, pois se admitimos que “ser mulher” ou “ser homem” é uma questão de assumir certos aspectos físicos, então, no seu cerne, estamos enfatizando a definição biológica que condiciona essas características, mas parando na superfície como se apenas a aparência definisse o que é “ser homem” ou “ser mulher”, ignorando todas as outras complexidades decorrentes dos processos naturais biológicos que nos formaram. Se não for este o caso, então basta um homem (mulher)  se dizer que agora se sente como mulher (homem) para que isso seja tomado como verdade. Mas, se for, não se aplicaria também a um asiático se afirmar como negro, ou índio se afirmar como branco, ou até mesmo um ser-humano se afirmar como um urso? Ora, é evidente que a submissão do pensamento a padrões erráticos de raciocínio não se sustenta por muito tempo. Assim, estamos diante de um fato imutável que resiste aos desejos do indivíduo, de modo que o único argumento que se pode dar aqui para ir além dos critérios biológicos como determinando o que define “ser homem ou mulher” é algo de natureza subjetiva, logo, sendo subjetivo, não podemos considerar cientificamente questões de gênero, exceto se nos permitirmos a aberração intelectual de aceitar como científico algo onde basta que o indivíduo “sinta ser ” para que esteja justificado em se afirmar como “sendo”. Mas, se a questão é meramente subjetiva, então a percepção subjetiva particular de um indivíduo não pode ser imposta sobre outros, do contrário estaríamos violando a subjetividade dos outros pela mera afirmação dos caprichos de um indivíduo. Ou seja, subjetividade por subjetividade caímos numa completa anarquia conceitual onde estar correto e errado são igualmente aceitáveis. Assim, se a questão do gênero for algo que não é definido pelas características biológicas do indivíduo, mas pela sua subjetividade, estamos em um vale-tudo conceitual que por critérios científicos deve ser rejeitado.

Ora, mas se o que é formulado nas questões de gênero deve ser rejeitado por não ser algo científico, porque razão então se insiste em colocá-lo como formulando políticas públicas a ponto de ser tornar uma temática a ser discutida nas escolas? É um fato que não podemos esperar muito de um governador de Santa Catarina que foi eleito pretensamente identificando-se com pautas conservadoras e, definitivamente, mostrou-se um desertor do conservadorismo ao chancelar um documento que trai as expectativas dos seus eleitores, assim, não percamos nosso tempo com políticos sem muita expressão como o governador Moisés, cuja existência efêmera como governador do Estado pode ser facilmente corrigida pelo bom exercício do voto nas próximas eleições.

 

Voltemos ao ponto. Qual o sentido de se trazer a questão do gênero as escolas? Como sugestão ao leitor, recomendo a leitura do livro de autoria da prof. Jimena Furlani, “Educação Sexual na Sala de Aula”, uma autora considerada autoridade na área pelos simpatizantes de gênero, mas que,  independente disso, deve ser avaliada pelo exame cuidadoso da sua obra que me parece ser recheada de conteúdos meramente subjetivos e, portanto, questionáveis.

Assim, analisando a necessidade de se tratar a questão do gênero e da educação sexual nas escolas a prof. Furlani descreve  oito tipos de abordagens: a abordagem biológico-higienista, a moral –tradicionalista, a terapêutica, a religiosa-radical, a de direitos-humanos, a dos direitos sexuais, a emancipatória e, por fim, a abordagem queer. A própria forma como ela designa algumas dessas abordagens já revela uma certa preferência da autora a certas abordagens em detrimento de outras, por exemplo, ao qualificar como radical uma abordagem religiosa, ou como higienista uma abordagem fundamentada na biologia a prof. Furlani estigmatiza negativamente essas perspectivas. Vendo o conteúdo do livro como um mero estudo subjetivo da prof. Furlani isso não traria prejuízo algum, contudo, sendo reconhecida como autoridade na área é previsível que suas conclusões subjetivas sejam tomadas como diretrizes na elaboração do que deve ser exposto nas escolas dentro da temática curricular da identidade de gênero. Assim, também é previsível que a forma desfavorável como a prof. Furlani apresenta algumas abordagens sirva como diretriz para não se abordar tais perspectivas. Para avaliar a dimensão do problema fixemos nossa atenção (usando os termos da prof. Furlani) na perspectiva moral-tradicionalista ou religiosa-radical. Examinando os argumentos dados no livro da prof. Furlani, será que tais perspectivas não se aplicariam positivamente a um segmento de indivíduos que se identificam com o cristianismo? Será que os conceitos cristãos que valoram tanto a sexualidade quanto a questão do que se constitui “ser homem” ou “ser mulher” devem ser considerados antiquados? Quem define isso? Os simpatizantes do conceito do gênero? Se concordarmos em não valorar a priori nenhum posicionamento, admitindo apenas que há segmentos onde um e outro reverberam, onde está a diferença entre  um educador cristão que formula uma perspectiva da sexualidade examinando as Escrituras, e um educador simpatizante do conceito de gênero que formula uma perspectiva “generista” da sexualidade examinando, por exemplo,  os estudos subjetivos da prof. Furlani? Agora, se o currículo contempla a identidade de gênero como uma das temáticas, e entendendo que nesta temática a perspectiva cristã será omitida ou posta negativamente, então há uma clara assimetria que para ser corrigida faz-se necessário ou retirar do currículo a temática da identidade de gênero, ou incluir ao seu lado uma temática cristã da sexualidade. Pretender que não existe uma perspectiva cristã da sexualidade valorada positivamente por muitos é o que lança suspeitas sobre as reais intenções de se militar quase obsessivamente sobre o ensino de questões de gênero e da educação sexual as crianças e adolescentes, ou, dito de outra forma, será mesmo que perverter a infância, correndo o risco de aguçar a curiosidade delas para uma sexualidade precoce, é algo benéfico as crianças?

 

Exposto o problema, vamos esboçar algumas estratégias para combatê-lo, isto é, de como defender crianças e adolescentes cristãos da exposição na escola de ideias permissivas e incompatíveis com a fé cristã. Escrevo aqui num tom mais engajado e me dirijo essencialmente a pais e mães cristãs que convictos dos pilares da fé compreenderão os conceitos envolvidos.

 

Há duas estratégias, uma de longo prazo e outra de curto e médio prazo. A longo prazo, dependendo de como se dará a regulamentação do “home-schooling”, há a possibilidade das igrejas usando seu modelo da Escola Bíblica Dominical (EBD)  organizarem  “células” de home-schooling onde os próprios membros da igreja proveriam a formação de suas crianças e adolescentes. Isso extinguiria a intromissão nociva do conceito de gênero pela eliminação natural do agente doutrinador já que ele não se encontraria entre os membros da igreja.

 

A curto e médio prazo, pais e mães devem se preparar para um outro tipo de confronto. Devemos ter em mente que uma idéia não é combatida proibindo sua manifestação, mas sim exibindo seu erro. Assim, reconhecendo isso, é preciso mudar o foco.  Novamente, usando a “expertise” formativa da EBD, igrejas cristãs devem dar uma sólida formação as suas crianças e adolescentes de modo a capacitá-las e treiná-las argumentativamente na  defesa de uma perspectiva compatível com sua fé, questionando o professor toda vez que se depararem com argumentações contrárias aos preceitos da fé. Aqui, é a qualidade da argumentação da criança e do adolescente que deverá colocar freios ao ímpeto do professor em expor de forma exclusiva e inquestionável a sua perspectiva em sala de aula. Para o sucesso desse enfrentamento será necessário contar  também com uma ampla rede de apoio as crianças e adolescentes de modo a não permitir revanchismo de professores que se sintam ressentidos por terem tido sua autoridade questionada em sala de aula, recorrendo inclusive a meios legais para coibir e punir abusos de professores e escolas. De qualquer forma, isso não elimina a necessidade da vigilância constante de pais sobre o que seus filhos e filhas estão sendo expostos nas escolas. Ainda que esta estratégia reivindique um chamado a reação ativa, devemos notar que este é definitivamente um bom combate, pois é o Espírito que nos impele e provê  as habilidades necessárias para o bom combate, e tem sido sempre assim em dois  mil anos de cristianismo, logo, não será diferente agora. Pais e mães cristãos devem entender que é a acomodação que permite a disseminação de ideias estranhas que devem ser combatidas e erradicadas na sua raiz, e que a inatividade é fruto de um espírito que se mostra receoso e incrédulo que sempre sucumbe na adversidade. Com a inclusão da identidade de gênero no currículo somos chamados a ação e devemos ter a certeza de que seremos assistidos pelo Espírito neste embate, munidos de um sólido conhecimento e revestidos da armadura da boa fé devemos ir ao confronto o quanto antes. Ao bom combate!

Professor do Departamento de Matemática