Professor que detém maior patente da USP é crítico do Future-se

Reportagem do jornal Folha de SP ouviu o professor pesquisador que desenvolveu remédio para enjoo que virou sucesso comercial

 

Titular de uma patente que, sozinha, responde por mais da metade dos royalties recebidos pela USP, o professor Humberto Gomes Ferraz poderia ser o garoto-propaganda do Future-se. Conforme reportagem publicada pelo jornal Folha de São Paulo, Ferraz é crítico da burocracia que atrasa pesquisas e o autor de uma pesquisa aplicada a um medicamento para náusea que se tornou sucesso de vendas. Sua reserva ao plano Future-se, anunciado no mês passado pelo MEC, não se deve às medidas do plano em si, como a possibilidade de Organizações Sociais atuarem em parte da gestão, algo que ele apoia.

Incentivado pelo discurso de enfrentamento do governo às universidades, o temor de Ferraz é que o plano seja um pretexto para o governo tirar ainda mais recursos públicos da educação. “Fico preocupado com quais seriam as reais intenções desse programa”, afirma.

Uma das medidas propostas pelo MEC é a regulamentação do pagamento de royalties a pesquisadores e universidades que desenvolverem produtos licenciados no mercado, algo que já ocorre em algumas instituições, como a USP.

Nesse ponto, o caso de Ferraz, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas, é exemplar. Os pagamentos decorrentes de sua participação no desenvolvimento do remédio Vonau Flash renderam à USP 58% da receita da universidade obtida com royalties em 2017 (dados mais recentes), ou R$ 1,44 milhão. 

A inovação de Ferraz consistiu em desenvolver um comprimido que se dissolve na boca, o que, além de comodidade, permite uma ação mais rápida do princípio ativo. A pesquisa foi feita após uma demanda da farmacêutica Biolab, que financiou o projeto.

O professor conta que levou um ano e meio para chegar ao resultado, trabalho que dividiu com aulas, congressos e outras pesquisas. A praticidade levou o Vonau Flash à liderança nas vendas de medicamentos para enjoo e o dinheiro começou a vir.

Segundo a resolução vigente hoje na USP, 30% do valor dos royalties vão para os criadores do produtod+ 45% aos departamentos dos criadoresd+ 10% às faculdades delesd+ 5% à Reitoria e 10% à Agência USP de Inovação.

O professor contesta essa divisão, que antes era mais favorável aos pesquisadores. De qualquer forma, ele comemora que a verba obtida com essa pesquisa já tenha financiado diversos outros equipamentos em seu laboratório, além de bolsas e outros itens. 

Para Ferraz, casos como o dele não são mais numerosos na USP por mais de um motivo. Um deles é a falta de abertura dos pesquisadores e de disposição de parte das empresas para parcerias. “Quando fiz o orçamento para a Biolab, eles não questionaram. Mas às vezes tem empresa que vem, diz que não tem dinheiro e, quando você vê, o executivo está saindo de BMW e você está com um carrinho.”

Outro obstáculo, diz, é a burocracia da administração pública. “É um inferno gastar a verba da patente”, desabafa. Comprar um equipamento, segundo ele, tem levado de seis meses a dois anos.

Além disso, afirma, o fato de a universidade dar peso muito maior a publicações nas avaliações dos docentes, em detrimento de outros indicadores como o desenvolvimento de produtos, também tira o foco da inovação.

Ainda assim, segundo ele, a liberdade proporcionada pela universidade é o que o motiva a trabalhar — mas ela “hoje está um pouco ameaçada no país”, afirma. “Talvez o ministro não saiba, mas tem muita gente pensando em desistir”, diz.

Confira: Folha de São Paulo


C.G./L.L.