Limite de gastos desestimula captação de recursos pelas universidades

Pesquisa da  Câmara  recomenda aprovar legislação que retire as receitas próprias das instituições de ensino do cálculo do teto de gastos

Estudo recém-lançado pelo Centro de Estudos e Debates Estratégicos (Cedes) da Câmara dos Deputados aponta que o teto de gastos imposto pelo governo federal – que limita o aumento de despesas da União à inflação –  não incentiva as universidades a captarem receitas próprias.

Isso acontece porque, mesmo que as instituições consigam aumentar a arrecadação além do previsto, elas só podem utilizar parte dessa verba. O restante é bloqueado e destinado a reduzir o déficit fiscal do Tesouro ou, em alguns casos, até é liberado, mas como contrapartida do corte de verbas que viriam de qualquer forma do MEC.

“O teto de gastos constitui empecilho para ampliação de fontes de recursos das universidades com uso de recursos diretamente arrecadados, situação que vem a desestimular as instituições federais de ensino na busca por receitas dessa natureza”, conclui o estudo, que recomenda a aprovação de legislação para tirar as receitas próprias do cálculo do teto de gastos.

O Pró-reitor de Planejamento, Orçamento e Finanças da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Fernando Mezzadri,  chama de confisco o bloqueio das verbas arrecadadas pela própria universidade. “Desestimula por completo. Não adianta fomentar a arrecadação se o recurso não é liberado”, afirma.

“As instituições [universidades] já contam com receitas próprias […]. Mas os recursos não apresentam retorno direto para as atividades por conta de limitação legal. O dinheiro arrecadado vai para a Conta Única do Tesouro”, diz texto do programa Future-se.

Como forma de contornar esse limite, o Future-se transfere parte da gestão desses recursos para Organizações Sociais. Algumas universidades, inclusive, já adotam a medida. Porém, de acordo com Gustavo Fernandes, professor do departamento de gestão pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em tese as universidades tendem a perder um pouco da autonomia sobre essa verba. Isso pode, por exemplo, dificultar o direcionamento de parte dos recursos para áreas do conhecimento com menos potencial de interação com o mercado. Para ele, é preciso cuidado para evitar esse desequilíbrio a partir da implantação do Future-se.

Anunciado com o objetivo de reestruturar o ensino superior público no Brasil, o programa Future-se é visto com preocupação por especialistas da área.  A dependência  de recursos privados para custear o dia a dia das universidades e a perda de autonomia de gestão financeira estão entre os pontos críticos da proposta do MEC. 

Entre estratégias de captação de recursos apontada pelo programa estão: realização de cursos pagos, aluguel de imóveis e contratos com o setor público e privado.  As chamadas “receitas próprias” caíram de R$ 1,5 bilhão em 2013 para menos da metade em 2017 (R$ 753 milhões), segundo dados levantados pela consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados. Os valores foram corrigidos pela inflação.

Além da queda na arrecadação, os dados mostram ainda que as instituições de ensino não conseguem utilizar parte da verba angariada por conta própria. Em 2017, por exemplo, elas gastaram 83% do total arrecadado. Para utilizar os recursos, as universidades precisam que o orçamento seja liberado pela área econômica do governo, o que nem sempre acontece.

 

Fundos patrimoniais

Entre as medidas elencadas pelo plano para aumentar o aporte de recurso privado às instituições de ensino está a constituição de fundos patrimoniais, que concentrariam doações, e a destinação a elas do rendimento de fundos negociados em Bolsa.

Esse ponto gerou críticas por parte de pessoas da área, como Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação do governo Dilma Rousseff (PT), que afirmou não ser adequado financiar a educação com um recurso vulnerável a flutuações.

Em 2008, a Universidade Harvard, por exemplo, viu o seu fundo patrimonial, responsável por mais de um terço do financiamento de suas atividades, perder 22% do valor em apenas quatro meses. Outras universidades americanas sofreram baques semelhantes. 

Por questões como essa, o plano do MEC tem sido questionado sobre o risco de o Future-se acabar reduzindo os repasses de recurso público às universidades, que já enfrentam um bloqueio de verbas de 30% de suas despesas discricionárias (não obrigatórias). A pasta nega.

“Não podemos depender de financiamento privado para verbas do dia a dia”, diz o pró-reitor da UFPR. “O recurso privado é muito bem-vindo, mas tem que servir para complementar as ações”, defende.

 

Leia na íntegra: Folha de São Paulo


C.G./L.L.