Oppermann, da Ufrgs, define momento como o mais crítico e grave já vivido pelas universidades públicas
Um debate para discutir o programa Future-se reuniu ontem (24) o reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Rui Vicente Oppermann, o reitor do Instituto Federal do Rio Grande do Sul, Júlio Xandro Heck, e a vice-reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Jenifer Saffi. O debate foi promovido pela Adufrgs, associação de docentes da UFRGS.
Oppermann definiu o cenário atual como o “momento mais crítico e grave já vivido pela universidade pública em toda sua história”. Essa proposta, disse, é muito mais grave do que o processo de sucateamento das universidades vivido durante o governo Fernando Henrique Cardoso. “Esse projeto surge em um cenário de muito maior risco. Um exemplo disso é a recente votação da Reforma da Previdência na Câmara dos Deputados, que foi aprovada sem maiores contrapontos. Temo que, com o Future-se, aconteça o mesmo. Esse governo nos escolheu como um de seus principais alvos e o cenário político nos é desfavorável”, acrescentou.
Para Oppermann, o governo Bolsonaro e seu ministro da Educação vêm travando uma batalha de narrativa de forma muito competente. “Estão ganhando essa batalha, principalmente nas redes sociais, onde nos fazem acusações diariamente. E a resposta a uma acusação é sempre mais longa que a acusação. E se adotarmos a mesma lógica deles nos tornaremos tão rasteiros quanto eles e perderemos essa batalha. Tem muita gente iludida pelas ideias que eles propagam de que somos uma balbúrdia de pelados e maconheiros”, alertou. Frente a esse cenário de risco, Oppermann defendeu a necessidade de mobilizar os diferentes segmentos da universidade e as representações dos mesmos na sociedade e no Congresso.
O reitor da UFRGS rebateu a afirmação do ministro da Educação, Abraham Weintraub, que tem dito que os reitores foram ouvidos sobre o Future-se. “Isso não é verdade. Os reitores foram chamados na terça passada a Brasília, quando a proposta foi apresentada de modo muito superficial. As lâminas inclusive estavam fora de foco e sequer conseguimos ler direito as propostas. Nós questionamos o governo sobre o fim do bloqueio das verbas das universidades e institutos federais, pois em setembro ninguém terá mais dinheiro, e não obtivemos resposta. Sobre o teor do projeto, Oppermann afirmou que ele invade praticamente todas as esferas de competência que hoje são dos reitores, afrontando diretamente a autonomia universitária. “Se as OS (Organizações Sociais) assumirem a gestão administrativa, de pessoal, de patrimônio, de currículo e pesquisa, o que é que os reitores vão fazer mesmo?” – questionou.
O PL do Future-se, acrescentou o reitor, tem coisas muito complicadas, inclusive na gestão acadêmica. “As OS poderão participar da elaboração de planos de ensino nos departamentos, de projetos de pesquisa e de extensão. A empregabilidade definirá os cursos a serem priorizados e ela será definida pelo mercado. Agora, o ministro fala da contratação de docentes sem concurso. É um programa que não foi feito por educadores. De fato, restará muito pouco aos reitores e à comunidade acadêmica. Além disso, o projeto diz que as universidades que aderirem ao Future-se repassarão seus orçamentos para as OS, mas estas não serão auditadas pelo Tribunal de Contas da União e sim por uma auditoria privada. Mas nós seguiremos sendo auditados pelo TCU”.
Para Oppermann, o enfrentamento a esse projeto exigirá uma estratégia consistente e inteligente e não um discurso panfletário. “O ministro quer que saiamos de maneira panfletária contra o Future-se. Não podemos ser panfletários. Precisamos fazer uma crítica profunda e embasada sobre os riscos do projeto e questionar qual é sua justificativa. As justificativas apresentadas falam em fazer o que já fazemos hoje bem feito. Na verdade é uma luta contra as universidades e contra a autonomia universitária”, sustentou.
E o Presente-se?
Reitor do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), Júlio Xandro Heck também criticou a proposta apresentada pelo governo Bolsonaro e sua política atual para as universidades e institutos federais. “Temos um bloqueio de 30% do orçamento. Como é que vamos falar de Future-se se não temos o Presente-se? Se continuar esse bloqueio, não teremos dinheiro para funcionar a partir de setembro. O nosso orçamento de 2019, nominalmente, é igual ao orçamento de 2013. Orçamento para investimentos não temos há dois anos”, apontou.
Além das propostas do Future-se, Júlio Xandro Heck citou outras medidas do governo federal como muito negativas para o funcionamento das instituições federais de ensino superior. O primeiro é o decreto que retira Funções Gratificadas das instituições. Só na UFRGS, exemplificou, mais de 300 FGs foram extintas, atingindo profissionais que trabalhavam em funções de coordenação. “Suspenderam o pagamento ontem. São medidas autoritárias e ditatoriais”, criticou. E acrescentou: “O ministro Onyx disse que vai acabar com o aparelhamento na universidade. Eu não posso nomear minha esposa como coordenadora de um curso, mas o presidente pode nomear o filho dele embaixador?”, questionou.
Outra medida criticada pelo reitor do IFRS é aquela que pretende que todas as instituições fiquem unificadas sob um mesmo portal na internet. “Poderemos publicar neste portal notícias sobre o convênio e projetos que mantemos com assentamentos do MST aqui no Estado, ou isso passará por um filtro”? – indagou.
Júlio Heck disse ainda que há algumas premissas do projeto Future-se com as quais concorda, como a de que as universidades e institutos federais precisam de mais recursos e de que é necessário captar mais recursos externos. Mas esses recursos, salientou, precisam ser geridos pelas próprias instituições, com direções eleitas por seus pares, e não por organizações externas ligadas ao mercado privado. “Está cheio de OS pelo Brasil afora fazendo um monte de bobagem. Basta consultar os tribunais de contas”.
O reitor do IFRS questionou ainda o discurso do governo federal, segundo o qual, em países mais desenvolvidos a iniciativa privada seria responsável pela maior quantidade de recursos para a pesquisa no ensino superior. Isso é falso, apontou. “Nos Estados Unidos, cerca de 60% dos recursos para a pesquisa são de fontes públicas. Na União Europeia, esse índice chega a 77%”.
Vice-reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Jenifer Saffi destacou o desafio de comunicação colocado para toda a comunidade acadêmica para enfrentar os projetos do governo Bolsonaro para as universidades e institutos federais. “Temos um grande desafio de comunicação que é o de furar bolhas. Estamos vivendo um momento assustador e para enfrentá-lo o nosso dever de casa mais importante é que precisamos aprender a nos comunicar melhor com a sociedade”, defendeu.
Jenifer Saffi criticou o descaso com que os reitores e demais dirigentes das instituições de ensino superior foram tratados no anúncio do projeto Future-se. “Ficaram sabendo do teor do projeto junto com a mídia, na apresentação do mesmo. Tivemos acesso a esse documento há menos de uma semana e temos apenas quatro semanas de prazo para debater um projeto dessa envergadura. É um absurdo. Esse projeto quer passar a governança, a gestão financeira e patrimonial para controle de organizações externas às universidades. Todos os recursos captados ficarão sob controle dessas organizações. O ministro disse que a indústria farmacêutica vai investir muito em pesquisa. Em qual pesquisa? Uma molécula leva 20 anos de pesquisa para chegar ao mercado. A indústria farmacêutica não vai financiar isso” , enfatizou.
A vice-reitora também criticou o fato de o projeto não fazer qualquer referência aos estudantes nem a projetos pedagógicos e de propor passar para o controle de Organizações Sociais algo que já está sendo feito. “A UFCSPA já tem um modelo de gestão público-privada, em parceria com a Santa Casa, que funciona muito bem. E nós temos total autonomia. Não precisamos de nenhuma OS para nos ensinar a fazer o que já estamos fazendo”.