Duas pesquisas distintas – uma realizada pela Andifes em parceria com a Pronaprace, outra de pesquisador da UFRJ – apontam falhas na pesquisa do Banco Mundial usada pelo governo para justificar cortes na educação
Pesquisas recentes contestam dois relatórios amplamente difundidos pela mídia, um do Banco Mundial e outro do próprio MEC, usados pelo Ministério da Educação para defender cortes no orçamento da educação pública. De origens diferentes – um deles foi realizado pela Andifes em parceria com a Pronaprace e o outro pelo pesquisador Carlos Bielschowsky, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – , ambos os documentos apontam falhas metodológicas graves tanto no estudo do Banco Mundial quanto no relatório do MEC. Tais falhas, alertam os pesquisadores, geraram interpretações equivocadas sobre o orçamento e o perfil dos universitários brasileiros.
Tanto a pesquisa do Banco Mundial (2017) e quanto a do MEC (2018) – fortemente influenciada pela primeira – produziram documentos onde afirmam que o gasto anual de um aluno de graduação das universidades públicas é de duas a três vezes maior do que em universidades privadas. E essa comparação foi usada pelo próprio MEC, nos últimos anos, para responder às queixas das entidades de educação sobre falta de recursos e até para defender a necessidade de cortar verbas. O custo por aluno das universidades públicas apontado pelo Banco Mundial – com base em metodologia equivocada -, serviu de argumento para tecer o discurso da baixa eficiência de gastos no ensino superior público e até mesmo para responsabilizá-lo pela desigualdade social.
Segundo o Banco Mundial e o MEC, o gasto anual de cada aluno de graduação em universidade pública pode chegar ao triplo do custo de um aluno na universidade privada. Nas contas do MEC, cada aluno da universidade pública custaria R$ 37.551,20 por ano – quando na realidade esse aluno custa anualmente cerca de R$ 17.800,00, conforme demonstra Bielschowsky, em artigo recente onde analisa o desempenho e os custos da graduação nas IFES.
MEC e Banco Mundial erraram ao dividir as despesas totais de cada Instituição Federal de Ensino Superior (IFES) pelo número total de alunos da graduação e pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado). Em seu artigo, Bielschowsky refuta as análises da entidade financeira, do MEC e mesmo a cobertura de alguns veículos da imprensa, desmontando a tese de que as universidades públicas são deficitárias, pouco eficientes e não inclusivas – construída com base nessa metodologia equivocada.
O erro fundamental, aponta o pesquisador, foi colocar na conta dos alunos todas as despesas da universidade, que vão muito além de ensino: “Ao dividir o custo total das IFES pelo número de alunos de graduação e pós-graduação stricto sensu, comete-se um erro primário, ao agregar aos custos da graduação as atividades de pesquisa científica e as de extensão, como a formação continuada dos professores da educação básica das redes públicas, o atendimento dos hospitais universitários e os colégios de aplicação”, afirma.
Bielschowsky propõe um cálculo que retira da conta aqueles gastos não relacionados ao ensino e chega ao valor R$ 1.483,41 mensais por aluno da universidade pública. Comparando com o gasto por aluno das particulares, estimado em R$ 1.346 mensais, ambos são praticamente os mesmos. “As federais teriam um gasto ligeiramente superior às mensalidades das particulares. Mas, como as federais têm maior eficiência de formação, esses valores resultam equivalentes”, afirma.
Outro ponto defendido no relatório do Banco Mundial, é que boa parte dos estudantes das universidades federais são de classes mais abastadas e teriam frequentado escolas privadas de ensino médio. Segundo o documento, em 2015 “somente 20% dos estudantes faziam parte dos 40% mais pobres da população, ao passo que 65% integravam o grupo dos 40% mais ricos”.
Ao apresentar essas informações, porém, o relatório não considerou os resultados da adoção de políticas de ação afirmativa implementadas a partir de 2005 e da Lei de Cotas, a qual estabelece 50% das vagas para estudantes de escolas públicas e que permitiram a ascensão econômica da população negra e indígena no Brasil.
Pesquisa publicada em maio deste ano pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino (Andifes) em conjunto com o Fórum Nacional de Pró-reitores de Assuntos Estudantis (Fonaprace) mostra uma realidade bem diferente daquela relatada pelo Banco Mundial.
Intitulado “V Pesquisa Nacional de Perfil Socioeconômico e Cultural dos (as) Graduandos (as) das IFES”, este estudo contou com a participação de 1 milhão e 200 mil estudantes e revelou dados inéditos: em 2018, 70,2 % dos graduandos tinham renda familiar per capita de até 1,5 salário mínimo e 51,2% eram negros.
A pesquisa publicada pela Andifes e Fonaprace aponta várias falhas na pesquisa do Banco Mundial. Um dos erros da entidade financeira foi usar os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) recortando exclusivamente o público universitário entre pessoas de 18 a 24 anos. Embora essa faixa etária seja predominante, a realidade vem sendo alterada e aproximadamente 30% dos alunos das universidades estão fora dela. Portanto, “a pesquisa do Banco Mundial recorta o público de forma a não contemplar a totalidade da população discente universitária, ignora a tendência recente e produz um desenho do perfil mais distante da realidade”, afirma o documento.
Encomendado pelo governo e publicado em novembro de 2017 pelo Banco Mundial, o relatório “Um Ajuste Justo: Análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil” teve o objetivo declarado de analisar os gastos federais para traçar estratégias de redução do déficit fiscal do país. O documento afirma, inclusive, que o ensino superior gratuito contribui para perpetuar a desigualdade no Brasil.
Após apresentar os problemas da educação superior no país, o Banco Mundial recomenda, em dois parágrafos (páginas 137 e 138), algumas soluções: que o governo limite os gastos por aluno em universidades públicasd+ passe a cobrar mensalidade dos estudantes e aumente o acesso ao financiamento de ensino privado, como FIES ou PROUNI, que mais tarde seria ampliado às universidades federais.
O estudo do MEC foi produzido em forma da Nota Técnica, como um documento interno do Ministério, intitulado “Apuração do custo das Universidades Federais, e sua relação com os respectivos quantitativos de alunos”. Esse documento reforça o discurso do Banco Mundial de que as IFES custam caro ao contribuinte. No texto, o MEC menciona uma carta enviada ao Ministério pela Andifes onde a entidade alertava que o orçamento das universidades era insuficientes para cobrir as despesas diárias. Em resposta à carta, o MEC cita o relatório do Banco Mundial para argumentar que o gasto público com ensino superior no Brasil havia aumentado ao longo da última década e coloca em dúvida a eficiência do gasto das universidades.
Para Carlos Bielschowsky, não fazer os cálculos corretos e reduzir a universidade apenas ao eixo do ensino de graduação pode contribuir para jogar por terra todo o esforço realizado pela sociedade brasileira ao longo das últimas décadas. “Além disso, a proposta é perversa, pois pode aprofundar a dramática desigualdade social e de oportunidades de nosso país”, completa.
Manoela Bonaldo